Assine VEJA por R$2,00/semana
Imagem Blog

Reinaldo Azevedo Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO

Por Blog
Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
Continua após publicidade

UM VERMELHO-E-AZUL COM MARCELO COELHO, UM HOMEM BOM

Escrevi ontem um primeiro post um tanto galhofeiro sobre um artigo de Marcelo Coelho, publicado na Ilustrada, da Folha. No texto, ele identifica quatro jornalistas ou pensadores que seriam “pessimistas” e/ou “sombrios” e os ataca com seu otimismo iluminista. Além deste escriba, estão na lista Luiz Felipe Pondé e João Pereira Coutinho, que escrevem na […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 18h17 - Publicado em 22 jan 2009, 06h35
Escrevi ontem um primeiro post um tanto galhofeiro sobre um artigo de Marcelo Coelho, publicado na Ilustrada, da Folha. No texto, ele identifica quatro jornalistas ou pensadores que seriam “pessimistas” e/ou “sombrios” e os ataca com seu otimismo iluminista. Além deste escriba, estão na lista Luiz Felipe Pondé e João Pereira Coutinho, que escrevem na Folha, e Demétrio Magnoli (Estadão/Globo). Moço fino, Coelho observa: “Mas é um time e tanto, e minha experiência pessoal com a violência do ser humano, adquirida nos pátios de recreio do ginásio, é suficiente para não querer polemizar com alguns deles.” Não sei quantos seriam “alguns” de um fabuloso grupo de quatro… No post de ontem, observei que não vou dar tapão na sua orelha ou puxar o elástico da sua cueca, algumas das brincadeiras imbecis e violentas que moleques fazem no recreio com aqueles que escolhem para vítimas.

Coelho parece ter tido “uma experiência pessoal” ruim com seus amiguinhos. Lamento por ele. Essa memória infantil, real ou fantasiosa, segundo sei, requer anos de divã. E não vai embora nunca. É mais importante matar simbolicamente o coleguinha que o sacaneou do que matar o pai, entendem? Ou você acaba virando, assim, a Flora do articulismo… O menino, com a orelha ardendo ou o elástico da cueca esticado, é mesmo o pai do homem, como lembrou Machado de Assis, citando Wordsworth.

Pronto. Cá estou eu tratando de novo com galhofa o texto de Flora Coelho. É um erro. O que ele escreveu ontem é coisa muito séria. Este senhor identificou quatro articulistas que, segundo diz, são “pessimistas e sombrios”. Suave (afinal, os outros é que são violentos), Coelho quer a nossa cabeça, como demonstrarei. Ele desceu para o recreio e nos flagrou praticando pessimismo solitário em grupo e fumando coisas sombrias. E foi nos dedurar pra direção: “Seu Otavio, seu Roberto e seu Roberto, peguem eles, peguem eles… São todos uns pessimistas sombrios. Dêem zero pra eles!!!” Sim, é isto: Coelho quer a nossa cabeça. Ele vai em vermelho. Eu em azul.

Os Doutores do Pessimismo

Não é preciso ser um grande gênio para constatar que vivemos num mundo bárbaro.
Que o ser humano é capaz das maiores atrocidades. Que a vida é feita de competição, inveja, egoísmo e crueldade.
Como vocês sabem, trata-se de um texto contra mim e três outros articulistas. Coelho começa citando o que seria uma espécie de consenso que nos uniria a todos: os quatro atacados, ele próprio e quase toda a humanidade. Pode me incluir fora dessa. Já escrevi uma duzentas vezes que acredito que o mundo sempre melhora — um verdadeiro Pangloss… Esse catastrofismo de salão é coisa de Coelho, não minha. Aliás, ele tem a mania de atribuir a outros coisas que não escreveram. Afirmou certa feita que Anatole France afirmara que o direito de dormir debaixo da ponte era o único que iguala ricos e pobres. Bem, Coelho escreveu isso, não Anatole France.

Ninguém precisa ter vivido num campo de prisioneiros na Sibéria nem ter sido moleque de rua no Capão Redondo para saber disso. Mas virou moda entre muitos intelectuais e jornalistas anunciar uma espécie de “visão trágica” do mundo, como se se tratasse da mais surpreendente novidade.
Quem tem uma “visão trágica do mundo”, como se vê, é o articulista. Não a reconheço em nenhum dos quatro citados, que ele gostaria de banir da imprensa brasileira.

Com certeza, há nisso uma reação saudável contra o excesso de otimismo. Durante o século 20, grande parte da esquerda não quis ver as barbaridades cometidas por Stálin e Mao porque, em última instância, “tudo iria dar certo”. Belas esperanças tornaram-se pretexto para atos de horror. Nada mais correto do que denunciar o horror.
Até quando pretende ser apenas referencial, Coelho falha miseravelmente. É pouco dizer que “grande parte da esquerda não quis ver as barbaridades etc”. Fez mais do que isso: ela negou as evidências das barbaridades e puniu com a morte os que as denunciaram. Nunca houve “belas esperanças” entre os esquerdistas que comandaram os massacres ou que são seus autores morais. Desafio Coelho a me mostrar os textos do Lênin, do Stálin ou do Mao “humanistas”. Quando é que eles trataram de “belas esperanças”? Aliás, Coelho poderia nos mostrar onde é que existe um Marx exercitando “belas esperanças”.

O que me parece estranho é que, mais do que denunciar o horror, esses pensadores trágicos e jornalistas sombrios gostam de destruir as esperanças.
É só uma tolice, mas digamos que fosse verdade. E daí? Na questão político-social, destruir esperanças, se vãs, é um dever do jornalismo. Ou se vira mascate de trapaças.

O reconhecimento do Mal, a crítica à violência da esquerda, a percepção de que ninguém é “bonzinho” e de que a realidade é uma coisa dura e feia vão se transformando em algo próximo do fascínio.
E, com diferentes níveis de elaboração e de cortesia pessoal, esses autores tendem a fazer do fascínio uma estratégia de choque.
Coelho inventou a “cortesia pessoal” por escrito. Não sei o que é. Um dia, estivemos num mesmo aniversário. Cruzei com ele na mesa de saladas. Fui cortês. Não dei tapão na orelha nem puxei o elástico da sua cueca. Acho que nos cumprimentamos, assim, com um meneio de cabeça, sem entusiasmo. Quanto ao resto, dizer o quê? Esquerdistas são doutores no “fascínio do mal”.

Quanto mais chocarem o pensamento corrente (que considera ruim bombardear crianças e bom defender a Amazônia, por exemplo) mais ganharão em originalidade, leitura e cartas de protesto. Parece existir uma competição nas páginas dos jornais e na internet para ver quem conseguirá ser o mais “durão”, o mais “realista”, o mais desencantado.
Aqui as coisas começam a se complicar muito. E o Coelho bobo e irrelevante, humilhado pelos coleguinhas (até me compadeci dele um pouco), começa a mostrar o guizo. Se há na imprensa brasileira articulistas que consideram bom bombardear crianças e destruir a Amazônia, eles têm de ser demitidos. Porque, evidentemente, isso está fora da diversidade possível de opiniões.

Continua após a publicidade

Há diferenças notáveis de atitude e de opinião entre pessoas como Luiz Felipe Pondé, João Pereira Coutinho, Demétrio Magnolli ou Reinaldo Azevedo. Mas é um time e tanto, e minha experiência pessoal com a violência do ser humano, adquirida nos pátios de recreio do ginásio, é suficiente para não querer polemizar com alguns deles.
Não vou, portanto, individualizar as minhas críticas.

Não vai, Marcelo Coelho, porque é mais um sinal da sua covardia. Assim, você ataca e não dá ao outro nem mesmo a chance de se defender. Sim, o grupo citado é muito heterogêneo. Eu mesmo divergi clara e duramente de Demétrio Magnoli sobre a ação de Israel em Gaza, por exemplo.
Quem diria que quatro articulistas — QUATRO!!! — seriam tomados como sintoma de um mal que assola o jornalismo!? Coelho deve considerar que isso que ele faz não é uma prática violenta.

Mas, de modo geral, os “durões” do mundo opinativo parecem correr um mesmo risco. A crítica às utopias do século 20 faz sentido, com certeza, mas termina funcionando para justificar muitos erros e abusos do presente -desde que sejam suficientemente “não-utópicos”. Será chamado de ingênuo ou nostálgico todo aquele que quiser algo melhor do que o mundo em que se vive.
Sei, Marcelo Coelho está preocupado com os riscos que corremos. Ele nos manda para a fogueira — pessoas que defendem massacres de crianças —, mas certamente reza pela nossa alma… O Santo Inquisdor da Esquerda!
Vocês conhecem algum genocida que não falasse em nome de um mundo melhor? Os grandes assassinos da humanidade tinham ou não um horizonte utópico? A questão, tenho escrito aqui, não está tanto nos fins, nos propósitos, mas nos meios empregados para alcançá-los. Estes qualificam aqueles.

Nem todos os “durões” de que falo abdicam desse “melhorismo”. Mas ai de quem tiver ideias um pouquinho mais à esquerda do que as deles -o que não é difícil.
Ah, chegamos ao ponto! O problema da “gangue dos quatro” é que somos “muito direitistas”. Na fantasia de Coelho, restamos nós. Mas ainda somos demais. Ele está cumprindo o seu papel ao nos denunciar. É o Milosevitch da Barão de Limeira.

Às vezes, a crítica ao stalinismo se compraz em tornar stalinista quem se afaste um milímetro das opiniões de quem a professa. Outras vezes, a crítica às velhas utopias tende a se transformar numa glorificação da realidade.
Observem como Coelho faz rigorosamente aquilo de que nos acusa. Atenho-me a coisas que escrevi — para não correr o risco de ficar interpretando opiniões alheias: apontei, sem ambigüidades, que o Hamas usava crianças como escudo e que as fontes sobre os mortos em Gaza eram os terroristas. Isso significa defender “massacre”?

Curiosamente, então, aquilo que deveria ser ponto de partida se torna ponto de chegada. O mundo é horrível e a realidade é cruel. É um ingênuo quem quiser mudar essa situação. O horror e a crueldade fazem parte da paisagem. Melhor assim, quem sabe: nós, pelo menos, tiramos disso a satisfação de não sermos ingênuos.
Pura vigarice intelectual e retórica. Todas essas considerações são de Coelho, não de qualquer um dos que ele denuncia e que pretende banir da imprensa. Para mim, é irrelevante o grau da ingenuidade alheia. Esse texto de Coelho, por exemplo, não é uma questão de ingenuidade, mas de caráter. Ele se escusa de combater os argumentos daqueles a quem critica e prefere fazer digressões e juízos morais sobre os autores.

Você está esperançoso com a vitória de Obama? Ouço um risinho: que otário. Mas fico feliz de nunca ter sido otário a respeito de Bush.
Foi, sim. É até hoje. Em mais de um texto, Coelho tratou Bush como se fosse o negativo (ou positivo) de Osama Bin Laden. “Otário”, nesse caso, é um adjetivo benevolente.

Continua após a publicidade

Você se choca com as crianças mortas em Gaza? Ouço um risinho: os militares israelenses entendem mais do problema que você.
Você quer que se preservem as reservas indígenas da Amazônia? Mais um risinho: os militares brasileiros entendem mais do problema que você, que pensa ser bonzinho, mas é tão malvado como todos nós.
Pois o ser humano é mau, desgraçado e infeliz, desde que foi expulso do Paraíso. Você não sabe disso?
Olhem como Coelho é bonzinho e como somos maus. Ele é a favor das criancinhas palestinas; nós, por qualquer razão, queremos matá-las. Ele é a favor das reservas indígenas; nós, sabe-se lá por quê, queremos acabar com elas. E por que somos assim? Bem, em primeiro lugar, claro, porque somos “de direita”. Em segundo, porque somos pessimistas e sombrios…

O que sei é algumas pessoas foram expulsas do Paraíso para morar numa mansão em Beverly Hills, e outras para morar em Darfur.
Todo o poder aos poderosos, toda realidade aos realistas, e todas as bombas para quem ficar no meio do caminho. Eis o resumo da atitude dos “durões”. Mas quem precisa de articulistas num mundo desses? Os militares dão conta do recado.
Pobre tolo atolado em clichês! Até parece que Coelho se importa muito com Darfur — enquanto aquela multidão de quatro direitistas está de olho em Beverly Hills… Cadê seus artigos indignados sobre o Sudão — e, particularmente, sobre a posição pusilânime e canalha do governo petista, que se negou a condenar o governo daquele país? Os meus podem ser encontrados em arquivo.

Reitero: Coelho não escreveu seu artigo para rebater um só argumento das quatro pessoas que ele atacou. Preferiu o caminho fácil da caricatura, dialogando com seus próprios preconceitos. Mas, enfatizo, isso ainda é o de menos: grave é atribuir monstruosidades a adversários na esperança, certamente, de silenciá-los e bani-los. Leiam a Folha e me digam: quantos são os articulistas do jornal que poderiam ser considerados, vá lá, “moderadamente conservadores”? Dois! Justamente Pondé e Coutinho. “Ah, em nenhum momento ele pediu cabeças”. Pediu, sim! Com suavidade peculiar, mas pediu. Ou é tolerável haver no jornal — e na imprensa como um todo — pessoas insensíveis ao massacre de criancinhas?

Quem não quer mudar o mundo com os instrumentos que Coelho acha legítimos — os foguetes do Hamas, por exemplo — quer, então, que tudo fique como está. Só se pode ser um verdadeiro humanista em Raposa Serra do Sol defendendo a expulsão dos arrozeiros — contra, diga-se, a vontade da maioria dos índios. Quem duvida de Obama é um sabotador da esperança.

Já escrevi: nem o stalinismo perseguiu os homens pessimistas e sombrios. Essa é a grande contribuição de Marcelo Coelho ao jornalismo — não por acaso, diz-me um leitor, ele está sendo elogiado pela ratazana punguista. Ambos estão prestando serviços ao partido. Coelho gostaria de ser o Robespierre ou o Marat do Terror iluminista. O outro se contenta em ser o que é.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.