Um certo Laurindo Leal Filho, que pretende ser nosso mestre em assuntos de TV
Na coluna desta semana de VEJA, Diogo Mainardi aborda a formação do conselho da tal TV Pública. E lembra que, entre os “conselheiros” de Franklin Martins, está um certo Laurindo Lalo Leal Filho. Escreve Diogo: “Ele apresenta um programa na TV Câmara, o Ver TV. Apesar do nome, desconfio que seja um dos programas de […]
Em dezembro de 2005, ainda no site Primeira Leitura, escrevi largamente sobre este senhor. Ele foi protagonista de uma trapaça intelectual e política perpetrada contra o jornalista Willian Bonner, o Jornal Nacional e a Rede Globo. Acompanhem o caso para que vocês saibam em que mãos estamos. Segue aquele texto, intitulado “William Bonner, Homer Simpson e um certo Laurindo”. O texto tem quase dois anos. Poderia ter sido escrito há cinco minutos. Até a Venezuela está aí.
*Eu nunca tinha ouvido falar de um certo Laurindo Lalo Leal Filho. Descobri que ele existe porque um amigo me recomendou que lesse um texto assinado pelo jornalista William Bonner (este mais conhecido, suponho, do que o presidente Lula), publicado no site Observatório da Imprensa. O editor-chefe do Jornal Nacional escreveu uma pequena crônica bem-humorada como resposta a uma covardia de que foi vítima, assinada justamente por aquele senhor, que se apresenta como “sociólogo, jornalista e professor da Escola de Comunicações e Artes da USP”, a famosa ECA. O texto do aliterado fora publicado, originalmente, na revista Carta Capital. E, por isso, eu ignorava o ataque. Sou assinante de Tendências e Debates, a revista do PT, mas não sou leitor da Carta. O Observatório reproduz o artigo em que ele critica Bonner.
Antes que continue, a síntese do que se passou: a Rede Globo convidou alguns professores para conhecer o funcionamento do Jornal Nacional, no que cometeu um erro (falo disso mais adiante). Os “especialistas” eram, assim, como um Big Brother da academia assistindo à farra da imprensa burguesa. Laurindo relata uma reunião de pauta de Bonner com sua equipe. O editor-chefe do JN tem uma metáfora para designar o homem comum, aquele que não é especialista nos assuntos que ditam o cardápio de política e economia: “Homer Simpson”. E, segundo relata Laurindo, ao derrubar uma reportagem, Bonner comenta às vezes: “Essa o Homer não vai entender”. Com isso, depreende-se, descartaria matérias mais complexas.
Para Laurindo, Homer é a síntese do pateta ignorante, que fica escarrapachado no sofá, a comer rosquinhas e a beber cerveja. Bonner tem outra leitura da personagem, com a qual compartilho, diga-se. Não conheço quem tenha pelo simpático pai de família a repulsa demonstrada pelo “sociólogo-professor-jornalista”. Ao contrário: há até uma relação de carinho com aquele homem meio simplório. Laurindo não cai nessa. É muito sabichão. Está imbuído da tarefa de levar luz à estupidez. Ele tem a pior impressão do marido de Marge, que não escapa de sua fúria iluminista. Olha para ele com um misto de nojo e desdém. Homer encarnaria a tolice, o nivelamento por baixo, o cretinismo. E Bonner, segundo se depreende do texto tão malvado quanto mal escrito de Laurindo, faria, então, o Jornal Nacional para essa gente vulgar. O editor-chefe de um dos noticiários mais vistos do mundo seria, assim, um cavaleiro do obscurantismo.
O “professor-sociólogo-jornalista” escreve mal pra chuchu. Fazendo uma pesquisa na internet, descobri que o texto publicado em Carta Capital não é exceção, é regra. Ele não sabe nem pontuar frases, e tudo piora muito quando elas se encadeiam em períodos longos. É tão cru, que cheguei a supor que se tratasse de um professorzinho boboca, quase imberbe, tentando se afirmar com ataques à Rede Globo. Mas o bodum ideológico me advertia de que poderia ser um daqueles casos patéticos em que um velho fala e se comporta com a irresponsabilidade de um jovem. Se, neste, certa graça compensa a ignorância e a inexperiência, naquele, a maturidade torna ainda mais ridícula a leviandade. Deu a segunda. E uma leviandade dolosa porque duplamente covarde.
O ataque a Bonner é covarde, em primeiro lugar, porque o tal Laurindo, em momento nenhum, evidencia que a sua crítica é tão-somente ideológica, jamais técnica. Ele omite dos leitores que está submetendo as escolhas do editor-chefe do Jornal Nacional ao corredor polonês de uma agenda ditada pela esquerda. Não! Ele finge um olhar clínico, especializado e isento, como se sua análise fosse o resultado de umas tantas evidências colhidas da árvore da vida. E, em segundo lugar, observe-se: não segue a ética mínima da prática jornalística. O objeto de sua fúria não é ouvido. Ao contrário, Laurindo estava preparando uma armadilha para Bonner. Poderão dizer que faço com ele o que ele fez com o outro. E também sem avisar. Não estou reportando seu ambiente de trabalho. Ele só me interessa como sintoma de uma doença do pensamento. Leiam o seu texto, em que relata a troca de olhares, superiormente “constrangida”, com seus pares de academia.
Constrangida por quê? Até parece que o ambiente universitário respira uma ética superior e mais sábia. O texto de Laurindo prova que não. Os estudantes que saem da universidade provam que não. A pobreza conceitual, prática e teórica dos currículos dos cursos de jornalismo (ou rádio e televisão) prova que não. Fico cá pensando na sua excitação mesquinha, escrava, rancorosa, vingativa, ressentida: “Ah, peguei o homem do Jornal Nacional!”. Nessas horas, evoco sempre a criada Juliana do romance O Primo Basílio, de Eça de Queiroz. Ela é, para mim, o emblema do horror: é má, é burra, é feia, é pusilânime, é dissimulada. Mas se acha apenas uma injustiçada pelo destino e pela soberba alheia.
Laurindo, me informa a internet (pesquisem), é também um militante de ONG. Está empenhado na defesa de uma certa rede pública de TV e se coloca como um gerente de conteúdo dos meios de comunicação. Não sei quem lhe conferiu esse papel de juiz da atuação alheia, mas é assim que ele se sente. Fala em nome da “qualidade” da programação, embora a sua vocação seja mesmo para censor. Se preciso, para provar as suas teses, não hesita em fraudar os fatos. Dou um exemplo.
Escreve o aliterado Laurindo Lalo Leal ao relatar uma passagem da rotina no JN: “A primeira reportagem oferecida pela ‘praça’ de Nova York trata da venda de óleo para calefação a baixo custo feita por uma empresa de petróleo da Venezuela para famílias pobres do estado de Massachusetts. O resumo da ‘oferta’ jornalística informa que a empresa venezuelana, ‘que tem 14 mil postos de gasolina nos Estados Unidos, separou 45 milhões de litros de combustível’ para serem ‘vendidos em parcerias com ONGs locais a preços 40% mais baixos do que os praticados no mercado americano’. Uma notícia de impacto social e político. O editor-chefe do Jornal Nacional apenas pergunta se os jornalistas têm a posição do governo dos Estados Unidos antes de, rapidamente, dizer que considera a notícia imprópria para o jornal. E segue em frente.”
Escolhas, ideologias
Com discordâncias que não são pequenas — mas, reitero, discordâncias ditadas por minhas escolhas ideológicas, políticas, intelectuais, éticas, por meus preconceitos também! —, acho Bonner um ótimo jornalista, e seu trabalho no JN me parece muito competente. Já discordei dele e escrevi a respeito. Crítica clara, sem pegadinha. Meus critérios estão sempre à mostra. Não sou Laurindo, mas sou leal. Acho o jornalismo brasileiro excessivamente condescendente com as esquerdas, especialmente em tempos de PT no poder. Mais do que esquerdismo, ele está contaminado pelo petismo, que é a fase senil do comunismo. Nem o Jornal Nacional escapa da minha crítica.
Pode parecer ridícula a minha afirmação de que a Rede Globo, ainda o Satã da esquerda bocó, está cercada de esquerdismo por todos os lados. Mas está. E não seria difícil prová-lo. Não raro, nem se trata de promoção industriada de valores, mas de uma maré influente. Há, por exemplo, “pobres” demais no JN de Bonner. O que quero dizer com isso? Exemplares do “povo”, volta e meia, aparecem em reportagens especiais, com a exaltação de seu saber natural e telúrico. Acho isso um porre. Por qualquer incrível razão que não sei identificar, pobre, quando aparece na televisão, canta, dança ou faz artesanato.
São escolhas que eu não faria. Se eu editasse o JN, provavelmente cortaria essas matérias, derrubaria a audiência do jornal e levaria um pé no traseiro. Justificado. Isso quer dizer que se deva fazer o programa sempre de olho no Ibope? Não! Quer dizer que ele é um dado importante da equação. Dali vem o pão que garante a festa. É, sim, preciso pensar no Homer Simpson, não naquele idiota de Laurindo, mas naquele cuja definição William Bonner adotou para si mesmo: “trabalhador, pai de família protetor, meio Lineu, meio Homer”.
“O”, aquele meu leitor implacável que não aceita ser identificado, escreveu-me: “Nessa polêmica entre William Bonner e os professores da USP, inclino-me a desapoiar os dois lados: os professores da USP, para quem o Jornal Nacional deve ser (tal qual, provavelmente, as aulas que ministram…) um ‘instrumento de transformação social’; Bonner, responsável por esse Frankenstein que todos os dias seleciona as notícias que mais profundamente tocam a alma religiosa e conservadora de 100 milhões de brasileiros para travesti-las com roupagem ‘politicamente correta’. Bonner já pagou seu tributo aos professores da USP (e à intelligentsia nativa): deu ao JN um sotaque de esquerda. É pouco, para eles. De posse da estética, agora querem a ética. Bonner nunca fará o que pedem, pois, ao contrário dos professores da USP, conhece o público do JN, sabe que ele não é de esquerda. Ao encerrar a polêmica, porém, produziu uma verdadeira pérola de ironia. Dirigindo-se a professores de jornalismo que, por definição, devem conhecer a diferença entre uma metonímia e um projeto político, ‘desculpou-se’: ‘Eu, como trabalhador, pai de família protetor, meio Lineu, meio Homer, reconheço humildemente meu fracasso no desafio de ser claro e objetivo para todos os meus interlocutores’. Como diria Millôr Fernandes, ‘grande alegria de um homem inteligente é se fazer de idiota diante de um idiota que se faz de inteligente’.”
Como sempre, “O” não perdoa, desnuda. Posso não concordar inteiramente com o teor do seu e-mail, mas se trata de uma pérola da síntese. Concordo com ele que o JN ganhou uma inflexão à esquerda nos últimos anos e que abriga aspectos do pensamento politicamente correto. Se é uma imposição de quem fala, todos os dias, a muitos milhões de brasileiros, isso, para mim, não está claro. Acho que não. E, é fato, a esquerda acha pouco. Vejam lá: Laurindo considera uma notícia de “impacto social e político” que “uma empresa venezuelana” (sic) venda óleo de calefação a preços mais baratos em Massachusetts. Não toma nem o cuidado de informar o leitor que se trata da PDVSA, a estatal de petróleo venezuelana. Em lugar de Bonner, talvez eu tivesse levado a matéria ao ar, mas não ao gosto do “professor-sociólogo-jornalista”. Dispensaria à notícia o tratamento de uma das pantomimas de Chávez, que eu chamaria de protoditador vagabundo, que mata os venezuelanos de fome, desemprego e falta de futuro, mas usa o combustível farto em seu país para fazer proselitismo nos EUA.
Se eu fosse Ali Kamel, diretor-executivo de jornalismo da Rede Globo e profissional de primeiro time, a esta altura, estaria satisfeito, gozando a sensação do dever cumprido. Laurindo, um esquerdista com, desconfio, simpatias por Hugo Chávez (como quase toda a esquerda brasileira), considera que o Jornal Nacional emburrece a nação. Eu, que não sou de esquerda (esta diz que sou de direita, um xingamento para eles, não para mim), ao contrário, acho que a emissora escorrega, e não apenas no JN, na metafísica influente do esquerdismo. Entre os supostos extremos, o principal noticiário televisivo do país pode continuar a fazer o seu trabalho, com a competência técnica habitual — o que é sempre um fator a mais de irritação para a patrulha comuno-stalinista.
Diferenças
Não, eu não me quero o positivo ou o negativo de Laurindo. Eu não uso o truque vagabundo de me dizer um observador ou um especialista isento e neutro. Não sou nem uma coisa nem outra. Não troco “olhares constrangidos” com as donas Marocas da reputação alheia. Os meus critérios estão claros: no “meu JN”, invasor de terra seria tratado como alguém que esbulha a legalidade e merece é cana; no “meu JN”, a miséria jamais seria pretexto para a violência (porque não acredito nisso e acho a tese mentirosa); no “meu JN”, rap, funk e outras escatologias (nos dois sentidos) seriam considerados o que são: fundo musical do crime organizado, e não “manifestação da cultura popular”; no “meu JN”, a cobertura de uma invasão da propriedade alheia iria até o fim: o sujeito foi preso, conforme pede a lei, ou o Estado foi lá passar a mão na sua cabeça? Vai ver é por isso, entre outras tantas diferenças — e o talento não é a menor delas —, que é Kamel o diretor-executivo de jornalismo da Globo, e não eu; que é Bonner o editor-chefe do JN, e não eu. A diferença de talento, bem entendido, seria dispensável dizer (mas não quero ruído), conta a favor deles e contra mim.
E a diferença vai mais longe. A minha crítica, inclusive ao professor Laurindo — e também ao JN —, é, como se vê, escancaradamente ideológica, mas não no sentido perturbado do termo, que lhe empresta o marxismo cretino. Segundo este, “ideologia” se resume às “mentiras” que a burguesia conta para enganar o povo. Como seria um mal de mão única, eles, os comunas, julgam que não produzem nada além de verdades ontológicas. As minhas “verdades” são nada além de escolhas: econômicas, políticas, morais, éticas. Se o pensamento estivesse minimamente organizado no Brasil, eu estaria entre aqueles que, na Europa ou nos EUA, são considerados “conservadores”? Acho que sim. Da “direita democrática” talvez. Embora, por exemplo, o meu apreço (a falta dele) à política econômica de Antonio Palocci me afaste de alguns outros que se querem meus parceiros em determinados valores. Kamel e Bonner, se lerem este texto, saberão que, à diferença de Laurindo, eu não julgo portar “a verdade”. Isso é tão-somente uma leitura do mundo: parcial, precária, imperfeita, como a de qualquer um. E há ainda outra coisa importante: não dou aula a ninguém. Não transformo num ministério as minhas parcialidades.
Compreendo, mesmo quando não concordo com as escolhas, que um noticiário como o Jornal Nacional ou uma revista como a VEJA tenham de fazer certas escolhas que atendem também às exigências do telespectador ou do leitor médios. Isso não significa que não possam contribuir de forma definitiva para o aprimoramento da democracia ou das liberdades públicas. Ao contrário. Ambos têm tido um comportamento na crise que me parece absolutamente correto. Mesmo quando não exaltam as virtudes generosas de Hugo Chávez com os EUA…
Climão
Falei aqui de um climão que toma conta do jornalismo, que tange as cordas do esquerdismo chinfrim. Na GloboNews, há pouco, a garota de 13 anos que participou do incêndio deliberado do ônibus da linha 350 — que matou cinco pessoas e feriu gravemente outras 14 — concedeu uma entrevista. Foi tratada como uma vítima das circunstâncias, uma besta-fera hobbesiana (ou pré-hobbesiana) a quem faltaram educação, escola, atenção do Estado. Logo, ela faz o quê? Frita as pessoas num ônibus, ora essa, como desdobramento natural da sua história triste.
A moral subjacente é a de que os culpados somos todos nós. Supõe-se que uma pessoa de 14 anos, por causa da miséria, é completamente desprovida do senso do certo e do errado. Ou, infere-se, ela não faria o que fez. É um misto de precariedade sociológica, precariedade teológica e resquícios de sub-Rousseau: “Perdoai-os, Pai, eles não sabem o que fazem porque são muito carentes; vieram puros ao mundo e foram corrompidos pela sociedade”. Pouco se falou das vítimas da assassina de 14 anos. Estamos é sendo convidados a nos comover com os protagonistas do terror.
Muda-se o canal. No SBT Brasil, fala um dos promotores que denunciaram cinco diretores da Daslu, a loja de roupas dos ricos e famosos do Brasil. Ele não teve dúvida. À moda de um Robespierre dos Trópicos (ou um Saint-Just, a julgar pelos cabelos cuidadosamente longos), decretou: “Acabou a fase de punir apenas os pobres; agora, os nobres, os patrícios, também vão para a cadeia”. Que coisa! Ele poderia ter explicado por que foi oferecida a denúncia. Preferiu fazer um discurso, que foi ao ar, em que a Justiça se transforma em mero instrumento de sua particular versão da luta de classes — que está mais para um arranca-rabo. Deve ter falado outras coisas, mas aquele era o pedaço mais saboroso. Prestemos atenção ao “agora” de sua fala. O que ele quer dizer? A qual tempo, exatamente, ele se refere? Parece ser um tempo que não é histórico, mas político. Neste mesmo jornal, já vi uma invasão do MST a uma propriedade privada ser meticulosamente acompanhada, desde o planejamento à execução. Os miseráveis que servem de massa de manobra a um movimento político expunham a sua falta de dentes e de sorte. O crime estava social e moralmente justificado.
O julgamento dos assassinos da freira Doroty Stang, também nas TVs de hoje, mobiliza o mundo. É justo. Luiz Pereira da Silva, o policial capturado, torturado e assassinado num assentamento do MST, em Pernambuco, já virou o húmus onde viceja a mistificação. Não era um homem-causa. Não é um mártir do reino da justiça das esquerdas, aquele construído sobre uma impressionante montanha de cadáveres, de que Hugo Chávez, o do óleo barato, é a versão pateticamente atualizada.
Laurindo certamente acha que isso ainda é muito pouco. Ele pertence a ONGs e grupos empenhados em conferir “função social” ao jornalismo de rádio e TV e em monitorar o conteúdo da programação, já que a radiodifusão, no país, é uma concessão pública. Como ele se quer o representante desse “público”, embora uma representação auto-outorgada, não hesita em fazer a sua crítica como se habitasse o promontório da independência. Uma vez que o jornalismo foi cedendo à patrulha esquerdista — em parte porque a maioria dos jornalistas é petista, mão-de-obra que Laurindo, suponho, ajude a reproduzir e a repor com suas aulas —, os policiais de consciência querem mais. Já seqüestraram o debate. AgorA, ficam cobrando sucessivos resgates.
E olhem que já lhes são dadas coisas aos montes. Enquanto escrevo, a TV noticia que o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, voltou a defender, nesta quinta, o fim de Israel. Há dois dias, caiu um avião em Teerã. Morreram ao menos 115 pessoas. O noticiário do mundo inteiro, também o brasileiro, na TV ou nos jornais, observa que o embargo americano impede o Irã de repor peças de suas aeronaves. Está explicado. Quando ocorre um acidente aéreo em Teerã, a responsabilidade, claro, é de Washington. Quando dois aviões derrubam as Torres Gêmeas em Nova York, a culpa também é de Washington. Sabem como é: o unilateralismo bushiano maltrata humanistas da qualidade de Ahmadinejad… O antiamericanismo é a doença fúngica do esquerdismo.
Chega!
Já fui longe. Acho que o JN e William Bonner foram vítimas de uma trapaça intelectual, ideológica, jornalística e política. Se a minha solidariedade valesse de alguma coisa, aqui estaria. As pessoas têm o direito de falar e escrever, como faço, o que lhes der na telha — respondendo, é claro, pelo que falam e escrevem. Mas atacar pelas costas é vedado ao bom guerreiro. Foi o que Laurindo fez. De certo modo, a Rede Globo paga o preço — um preço ridículo, é verdade (eu sou um dos únicos que dão bola para a academia no Brasil) — do flerte com os adversários.
Cada um faça o que quiser de sua empresa. Não sei que diabos os acadêmicos foram fazer na Globo ou o que tinham a ensinar aos jornalistas. Nos debates de que tenho participado ou nas palestras que tenho conferido em universidades, percebo que a maioria dos estudantes considera os meios de comunicação “inimigos do povo” e uma fábrica de falsidades a serviço do capital. Quem lhes ensina isso são seus professores, dublês de mestres e militantes políticos. Chamam “técnica” o que não passa de juízo de valor e ideologia rombuda. A maioria dos que ensinam é incapaz de fazer um lead inteligível. Como se vê, até a gramática e a sintaxe lhes são claramente hostis. Ademais, boa parte jamais botou os pés numa redação.
Não sou do tipo avesso à teoria, não. Muito ao contrário. Gosto dela. Naqueles encontros a que aludi, costumo fazer referência a alguns clássicos do pensamento político, social, econômico, nomes muito citados em discursos na sala de aula. A maioria amarela e não vai além do clichê e dos livros (agora Google) de citações. Quem se opõe contenta-se em me chamar de “reacionário”. Posso ser. Mas li o que boa parte diz ter lido. Trata-se de gente que evita o debate com a sua ignorância olimpicamente superior. Quero, sim, o concurso dos acadêmicos. Que nos ajudem a fazer jornais melhores, revistas melhores, sites melhores, jornalismo de TV melhor. Mas é preciso ter honestidade intelectual.
Arremato aplaudindo, também eu, a sutileza da resposta de Bonner. É isso, meu caro: você superestimou parte da platéia que estava ali para vigiá-lo. Supôs que ela tivesse, ao menos, o nível de entendimento de Homer Simpson. E, de fato, tratava-se de um Dino da Silva Sauro. Bonner, está provado, faz muito bem em não superestimar a inteligência alheia.