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Se o bispo não puxa a sua orelha, puxe a orelha dele

Escrevi dois posts sobre o celibato sacerdotal e, em pleno domingão, receberam quase 300 comentários — fora os que tive de eliminar porque a) ofensivos à Igreja Católica e aos católicos; b) petralhas; c) de alguns que se querem “conservadores” — mas que são apenas ensandecidos — rogando a Deus que me fulmine com um […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 20h15 - Publicado em 29 out 2007, 03h35
Escrevi dois posts sobre o celibato sacerdotal e, em pleno domingão, receberam quase 300 comentários — fora os que tive de eliminar porque a) ofensivos à Igreja Católica e aos católicos; b) petralhas; c) de alguns que se querem “conservadores” — mas que são apenas ensandecidos — rogando a Deus que me fulmine com um raio. No total, uns 400. Vocês sabem: comentário aqui é comentário, não chat ou fórum. Felizmente, o Deus do Novo Testamento, humanizado pelo Cristo, é menos amostrado do que O do Velho, irritadiço demais para o meu gosto demasiadamente humano. Não vou morrer com um raio divino na cabeça. Quem não souber entender um pouco do meu humor, acho eu, perde uma parte interessante da viagem.

Não sou da hierarquia católica, apenas um católico. Como tal, não só posso como devo debater o que não for matéria dogmática. Vejo com grande tristeza, melancolia, às vezes quase revolta, os ataques vis que sofre o patrimônio moral da Igreja Católica, que tenho como um dos esteios da civilização ocidental. Eu e qualquer pessoa de juízo. A reação da hierarquia tem sido frágil, quando não é pífia. Abriu as portas da Santa Madre para o marxismo, e o mal nela se insinuou e corrói seus valores — aí, sim, ferindo muitas vezes dogmas e princípios —, mas se aferra, como é o caso do celibato, a algumas escolhas que atenderam a conveniências de época e que hoje se mostram fonte de desgaste e de humilhação. O mal entrou na Igreja, e os fiéis estão saindo.

Muitos reclamaram do conteúdo de algumas intervenções. Não se trata de um debate de teólogos ou de especialistas nas leis canônicas. É claro que as pessoas também falam coisas incorretas, trabalham com informações deturpadas, como a suposição, falsa, de que padre não pode ter bens pessoais. Pode. A menos que tenha feito voto de pobreza. Outros inferem que a opção pelo celibato obedeceu a um critério puramente econômico, o que não é verdade. Outros ainda, com alguma razão prática, afirmam que um padre com família constituída haveria de ter uma espécie de relação trabalhista com a Igreja, já que teria de viver em condições menos modestas do que vive hoje. Sem dúvida, a relação haveria de ser outra.

No que diz respeito propriamente à questão religiosa, as críticas são muitas. O que veio de modo respeitoso está publicado. É claro que há forçadas de mão. Um tanto provocativo, lembrei que São Pedro tinha sogra. Aí me dizem: “Mas era viúvo”. Era? Onde está escrito? Em que passagem? Uma coisa é se firmar uma convicção, fora do Texto, de que fosse viúvo. Se tal assertiva é conveniente a quem pretende transformar o celibato numa questão inamovível, bem. São Paulo é explícito na recomendação do matrimônio aos bispos e ainda associa tal prática à boa administração da Igreja. Também está lá. E não é menos verdade que o celibato e a virgindade fossem vistos, com efeito, como provas exemplares de entrega à Igreja. Mas jamais uma exigência. Não! Não é um “não matarás”.

Compreendo — e tenho até certa atração intelectual por elas — algumas inteligências que, ao perceberem que determinado remédio resulta num malefício, decidem dobrar a dose para ver se não foi a falta de convicção que trouxe o resultado contraproducente. Há nisso um certo pessimismo místico e algum triunfalismo da derrota: “Perderemos, mas sem jamais ceder.” É, eu detesto perder. A mim me preocupa a crescente secularização da Igreja em matérias que são realmente de dogma, enquanto permanece aferrada a algumas práticas que constituem mais uma esfera de costumes. Peguemos o exemplo do celibatário padre Júlio Lancelotti: há dias, ele afirmou que, se Cristo fosse muito prudente, não teria morrido na cruz. É uma blasfêmia, não é? Pois ele recebeu o apoio de seu bispo, do cardeal dom Odilo Scherer e da própria CNBB.

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Muitos poderão dizer que essas vozes não representam a “verdadeira” Igreja. Não? E onde está, então, a “verdadeira” Igreja? Scherer acaba de ser feito cardeal por Bento 16. Quer dizer que a Igreja que há não é a de verdade? Será que os católicos já estamos como os comunistas? Quando alguém lembrava que o socialismo havia se construído sobre uma montanha impressionante de cadáveres, que era uma ditadura asquerosa, que sufocava as liberdades, sempre aparecia alguém da turma para dizer: “Ah, mas esse não é o verdadeiro socialismo”. O “verdadeiro”, no caso, é o que há. A hierarquia católica no Brasil é esta, endossada pelas escolhas de Roma — essa mesma Roma, lastimo dizer, leniente com a Teologia da Libertação, uma das fontes de corrosão de credibilidade da Igreja.

Erro
É um erro supor que o debate sobre o fim do celibato integre o cardápio da esquerdização da Igreja. Aliás, é curioso notar que os expoentes da Teologia da Libertação no Brasil — com a provável exceção da audácia do Boff — passam longe do assunto. O celibato confere aos padres petralhas uma certa aura de santificação (e, acho eu, isso, sim, cheia a pecado) que melhor esconde a sua atuação política. Não precisa ir muito longe: considero as escolhas políticas de Lancelotti — antes mesmo da baixaria em curso (veja post acima) — estupidamente equivocadas. Ocorre que o mito do padre dos pés descalços, que teria renunciado a tudo em benefício das criancinhas e do “povo de rua”, ajudou a encobrir suas opções políticas — a que se somam, agora, acusações ainda mais mundanas. A “igreja” dentro da Igreja (a tal Teologia da Libertação) convive muito bem com a exigência. O celibato, como sabemos, é observado, sim. Mas e a castidade?

É evidente que o primeiro efeito positivo do fim do celibato seria atrair para a Igreja vocações que não estão dispostas a abrir mão da bênção que é ter um família. E, ao longo do tempo, o sacerdócio deixaria de ser um refúgio — e os escândalos estão aí à farta — para os que pretendem usar a Igreja como resposta socialmente aceita a suas inapetências e gostos. A Igreja, aqui e no mundo, está a precisar menos de homens que imitem Cristo num particular e mais de homens que sigam as leis gerais do Cristo. Não é, infelizmente, o que se tem amiúde visto. Também essa escolha traria novos problemas para a Igreja? Sem dúvida. Acho, no entanto, que o ganho seria, ao longo do tempo, bem maior do que o prejuízo.

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Disciplina
Sou o primeiro a afirmar — e, se vocês procurarem no Google, vão encontrar opiniões minhas anteriormente expressas a respeito — que ninguém é enganado ao escolher pertencer à hierarquia católica. O padre sabe que está obrigado à castidade e ao celibato. Portanto, a menos que peça desligamento, não pode fugir a essas duas práticas, entre muitas outras. Eu posso lastimar o que considero malefícios óbvios da castidade. Ele não pode. O que lhe está reservado é fazer de sua própria vida um testemunho exemplar a) de sua fé; b) de observância das leis da Igreja.

Infelizmente, as coisas não têm sido bem assim, não é mesmo? Para tristeza e estupefação dos católicos no Brasil e no mundo inteiro. Compreendo, por exemplo, que a hierarquia católica não condene de antemão o padre Júlio. Mas havia e há uma maneira mais prudente de fazê-lo, que não procurasse transformá-lo no mártir que ele não é (e me refiro, nesse caso, à sua atuação, independentemente do estrepitoso caso). Ele já cometeu erros terríveis — ainda que, na sua relação com Anderson, tivesse sido apenas um “pai” relapso, que premia o filho marginal com uma Pajero.

Aliás, prezo de tal sorte a disciplina que afirmo sem medo de errar que os próprios bispos brasileiros precisam ser mais disciplinados. Não precisa ir longe. Quando Dom Odilo Scherer permitiu que uma urna fosse colocada no altar da Catedral da Sé para colher “votos” a favor da reestatização da Vale do Rio Doce, estava praticando um óbvio desvio de função; estava, contra a mensagem cristã, jogando brasileiros contra brasileiros e submetendo o patrimônio espiritual da Igreja a partidos políticos.

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Um bom católico pode, sim, debater o que não é matéria de dogma. E tem a obrigação de puxar a orelha do seu bispo se o bispo perde a condição de ser ele a puxar a orelha dos fiéis.

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