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Parem de usar a Rafa, do judô, para fazer poesia vigarista do pobrismo

A favela não é lugar do qual alguém — muito menos um país — deva se orgulhar. A gente precisa se lembrar de novo que “feio não é bonito”

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 30 jul 2020, 22h06 - Publicado em 15 ago 2016, 06h17

Se comecei desafinando o coro quando afirmei, antes do início dos Jogos, que achava que tudo caminharia bem; se continuei a fazê-lo ao puxar a orelha da torcida durante a apresentação da ginástica de solo masculina, seguirei agora expressando meu repúdio ao espetáculo de poesia intelectualmente vigarista que se seguiu à vitória da judoca Rafaela Silva, primeira medalha de ouro conquistada por um atleta brasileiro nesta Olimpíada.

Rafaela morou em Cidade de Deus, o lendário conjunto habitacional construído no Rio no que deveria ser um processo de desfavelização, mas que acabou, no que esta palavra tem de mais perverso, se favelizando e se tornando um dos redutos do crime organizado. Em carioquês, deve-se chamar o local de “comunidade”.

Bastou a vitória de “Rafa”, como é conhecida, para que todas as ruindades das teses do “pobrismo” viessem à flor dos textos. E se oferece ao distinto público, então, aquela receita indigesta do conformismo de exaltação.

Sem dúvida, essa menina é digna de todos os aplausos. Penso, sim, na sua determinação, na sua entrega, nas muitas dificuldades que teve de enfrentar. Mas eu me nego a chamá-la, como cheguei a ler, de uma “atleta tipicamente brasileira”, como se o nosso “típico”, o sangue que corresse nas nossas veias, fosse feito de sofrimento, renúncia e ascese da superação. As condições em que vive Cidade de Deus devem fazer parte das coisas que nos envergonham. Não servem à patriotada.

“Ah, mas quem disse que há patriotada, Reinaldo?” Há, sim. Eu vi na televisão a garota sendo convidada a cantar os versos mais boçais jamais popularizados no Brasil. Como é mesmo?
“Eu só quero é ser feliz/
Andar tranquilamente na favela em que eu nasci/
E poder me orgulhar/
E ter a consciência que o pobre tem seu lugar”.

Nem vou me ocupar de saber quem escreveu essa bobagem. Que tenha surgido em alguma favela, vá lá. Que isso seja resgatado pela imprensa e oferecido como expressão da brasilidade, eis o que chamo de poesia da perversidade dos integrados.

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Não! Não devemos, como projeto de país, “andar tranquilamente na favela”. A favela é uma anomalia, não a normalidade. Diga-se de passagem que “andar tranquilamente” sempre foi uma referência crítica à polícia, não ao narcotráfico.

E, obviamente, uma cultura em que “o pobre tem seu lugar” confirma o lugar da pobreza como um estamento. Eu, que não sou de esquerda; eu, que não faço demagogia do “pobrismo”; eu, que sou um liberal, eu não acho “que o pobre tem seu lugar”. Eu só acredito numa sociedade que ofereça condições para que o pobre SAIA DO SEU LUGAR.

Não se ganha uma medalha de ouro do dia para a noite, não é? Suponho que Rafa não tenha alcançado tal feito na base apenas da sorte. Entendo ser ela já uma atleta de ponta. Porque teve origem em Cidade de Deus? Acho que não. Por que lembrar isso a todo momento?

Eu explico. Porque, de algum modo, moralmente, os bacanas acham que Rafa “só quer andar tranquilamente na favela em que ela nasceu”. Porque, de algum modo, os bacanas acham que Rafa expressa que, neste país, “o pobre tem seu lugar”.

Ah, eu também aplaudo Rafa, mas não a poesia do “pobrismo”; não a ilação imbecil de que sua conquista é tão mais importante porque, afinal, vem temperada com uma história de exclusão e racismo.

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Noto, nos textos lacrimosos e encomiásticos que se produzem sobre essa moça, aquele “olhar” sobre o qual já escrevi tantas vezes: é como se os bem-pensantes estivessem diante de um “outro antropológico”.

O mínimo que espero é que as empresas que lucraram muitos milhões com os Jogos melhorem agora, e não mais tarde, as condições de vida e moradia de muitas outras Rafas. Seria bom que não existissem experiências urbanísticas desastrosas como Cidade de Deus. E, no entanto, elas existem.

Mas, por favor, em nome da decência, não convidem as Rafas do país “a andar tranquilamente na favela em que nasceram”, orgulhando-se do fato “de que o pobre tem seu lugar”.

Em vez de cantar essa poesia da miséria, tirem as Rafas das favelas. Livrem as Rafas da pobreza.

E, bem…, havendo tempo, vão estudar um pouco de poesia e parem de encharcar a biografia alheia com lágrimas de péssima qualidade.

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O Brasil precisa se lembrar de novo que “feio não é bonito”, como a esquerda já cantou um dia…

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