Há um “conversê” de pessoas que se fingem de surdas envolvendo a pré-candidatura de João Doria à Presidência da República. Adaptando frase atribuída a Bismarck, sabemos como são feitos as salsichas (não as da “Carne Fraca”), as leis, os jornais e a política.
Doria é pré-candidato. E isso fica claro em várias de suas intervenções públicas, a exemplo do que fez nesta sexta em discurso no Instituto dos Advogados de São Paulo. O prefeito, que convidou Fernando Haddad para integrar um conselho de ex-chefes do Executivo, disse o seguinte sobre Lula — embora tenha evitado citar o nome:
“Se não tivermos capacidade de compreender que o ato solidário é um ato que protege a comunidade, muito em breve, em 2018, alguém com o mesmo discurso populista, barato, mentiroso, falso, vai vir nos palanques, na TV, nas rádios e redes sociais se dizendo salvador”.
Foi aplaudido de pé. Para muitos, ali estava o “salvador”, o que vai nos livrar do petista e das esquerdas.
Sim, a esquerda voltou ao jogo eleitoral. Fui o primeiro a chamar atenção para isso. E a coisa se deu, inclusive, em razão da demonização de todos os políticos. E Doria é tão político como qualquer outro (refiro-me às características virtuosas, não viciosas), mas se diz apenas gestor.
FHC, um dos mais respeitados sociólogos do mundo, nunca disse ser um “intelectual, não um político”. O ex-presidente não gosta de discursos contra a política. Eu também não.
Mais: o líder tucano destacou apenas que ser gestor não quer dizer ser líder. E, claro, não quer. Aliás, Doria sabe disso. Não vi ânimo ofensivo nenhum, mas uma consideração sobre política a que o ex-presidente se permite. João Doria não é o primeiro a não gostar.
E não gostou. E respondeu o seguinte: “Respeito muito o Fernando Henrique, pela sua trajetória e sabedoria, mas só lembro que o ex-presidente também disse que eu não seria eleito para ser candidato pelo PSDB nas prévias. Ele apoiou outro candidato. E ele mesmo já confessou que, quando comecei a campanha para a prefeitura de São Paulo, também acreditava que eu não seria eleito. Venci nas duas (ocasiões).”
Indagado se achava que seria vencedor em 2018, afirmou: “Não estou falando isso. Apenas que o presidente Fernando Henrique, com todo o respeito que ele merece, e a minha profunda admiração, errou nos dois prognósticos”.
Doria não precisa confessar que é pré-candidato, quer Geraldo Alckmin queira, quer não. Hoje, ele é. Atua como. Se será, o tempo vai dizer. Quem confessa em seu lugar são suas palavras. Se FHC errou, como diz Doria, nas duas vezes, é muito provável, dado o raciocínio, que esteja errado agora também — e, pois, será ele o candidato do PSDB à Presidência. E, por óbvio, vitorioso.
Teorias conspiratórias e conciliábulos
Eu não tenho paciência para teorias conspiratórias e suposições de grandes conciliábulos. Eu acredito nos fatos.
Há quem diga que Alckmin e Doria estão mais juntos do que nunca. Isso tudo seria um jogo para o prefeito se candidatar ao governo de São Paulo, o que seria um reforço imenso para Alckmin caso este se candidate à Presidência…
Será? A força de Alckmin em São Paulo depende de Doria? Acho que não. Na mesma trilha em que crescesse a candidatura do prefeito ao governo, cresceria a candidatura a Presidência.
O que eu acho? Acho que Doria parece pré-candidato, que se comporta como pré-candidato, que faz discurso de pré-candidato e, pois, não duvido de que seja… pré-candidato.
“Mesmo contra Alckmin?”
A aposta de seus entusiastas é outra: se uma pesquisa, lá adiante, apontar ser ele o único com possibilidade de vencer a esquerda (com ou sem Lula), então será ele por força da gravidade.
“Bem, então não há razão para Alckmin se chatear, certo?” Depende. Enquanto o prefeito robustece o próprio nome à Presidência, o de seu padrinho político está deixando de ser robustecido, certo?
O que precisa ficar claro neste texto é que as palavras fazem sentido. Fui professor de português. Não posso ignorar essa evidência. A conclusão inescapável é uma só: Doria é pré-candidato com ou sem a concordância de Alckmin.