Leio que cerca de 300 pessoas em São Paulo e umas 100 no Rio foram às ruas em defesa do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que participou do evento na capital fluminense. Na Avenida Paulista, quem animou a torcida foi o também deputado Eduardo Bolsonaro (PSC-SP), que é filho ideológico do pai dele…
Manifestação por quê? Bolsonaro, o Jair, foi tornado réu pelo STF numa ação de incitamento ao estupro em razão de ter dito, na tribuna da Câmara, para demonstrar seu desprezo pela deputada Maria do Rosário (PT-RJ), que ela não merecia ser estuprada por ele.
Já escrevi aqui as circunstâncias em que isso se deu. O parlamentar repetiu essa boçalidade em 2015, depois de tê-la dito uma primeira vez em 2004, num bate-boca com a petista, em que, de fato, foi agredido primeiro. Se condenado, Bolsonaro pode perder o mandato e ficar inelegível por oito anos.
A aceitação da denúncia gerou um debate. Há quem acredite que, protegido pela imunidade parlamentar, um deputado ou senador pode falar o que lhe der na veneta. Não me alinho entre estes. Bolsonaro não expressou uma opinião. Tratou o estupro como uma dádiva que ele próprio dispensaria apenas às mulheres que ele considera distintas.
Maria do Rosário é o símbolo de boa parte das coisas que repudio em política: da ideologia ao estilo. Mas isso não desculpa a estupidez dita pelo oponente. Ademais, a ofensa foi dirigida a Rosário porque ela é mulher, mas não só a ela: todas as mulheres são, então, alvos potenciais da barbaridade, muito especialmente as que Bolsonaro considera distintas.
Não existe direito absoluto. Qual é a diferença entre dizer que uma mulher não merece ser estuprada — porque não reuniria as qualidades para tanto — e afirmar que uma criança não merece ser molestada pelas mesmas razões? A liberdade de expressão e a imunidade parlamentar não conferem a ninguém o direito de cometer crimes ou de usar a palavra para naturalizá-los.
Bolsonaro é alvo de outro processo, este no Conselho de Ética da Câmara, por apologia da tortura. Ao votar a favor do envio da denúncia contra Dilma Rousseff para o Senado, disse que o fazia em memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, reconhecido pela Justiça brasileira como torturador.
Apoio ambas as ações. Nos dois casos, o deputado não foi ainda condenado. Resta-lhe a chance de tentar convencer seus julgadores de que não fez nem a apologia do estupro nem da tortura; que quis, na verdade, dizer outra coisa. O que teria sido? Não posso imaginar. E há também uma tentativa de saída: desculpar-se.
Por enquanto, a gente vê que ele toma a trilha oposta. Prefere mobilizar seus seguidores — em número bastante reduzido, como se viu — para tentar intimidar a Justiça. Não me parece uma boa escolha. Mas não serei eu a convencer o parlamentar a fazer boas escolhas, não é mesmo?
No texto de convocação no Facebook para a manifestação em favor de Bolsonaro, lia-se: “Está mais que claro o STF está sendo meio da ação revolucionária e perseguirá qualquer político que agir contra essa malfadada revolução”.
Trata-se de uma daquelas bobagens típicas do sedizente “professor e filósofo” Olavo de Carvalho. Que revolução?
O senhor Carvalho está convicto de ser o grande pilar contra a suposta comunização do Brasil e tem a certeza de que, não fossem seus escritos e seus sectários, Dilma não teria nem mesmo sido afastada — embora ele próprio tenha escolhido como alvos de sua fúria todas as forças que concorreram para afastar a petista da Presidência.
Neste domingo, vimos a força da dupla Carvalho-Bolsonaro: umas 300 pessoas em São Paulo e umas 100 no Rio. Estivesse em curso uma revolução comunista no Brasil, como querem esses gênios da raça, ela já teria saído vitoriosa por falta de adversários.
Os dias que correm não são interessantes apenas porque apearam do poder a cleptocracia. Também serviram para desmoralizar a extrema direita antediluviana, expondo o ridículo de suas teses. O anticomunismo profissional, que vira uma fonte de renda, é tão estúpido e miserável como o esquerdismo mais primitivo. E se merecem.
PS – Ah, sim: continuo a esperar que alguém tenha a clareza de denunciar o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ), que votou contra o envio do processo ao Senado evocando a memória do assassino comunista Carlos Marighella. A diferença entre ele e Bolsonaro é só de lado, não de apreço pelo crime. De resto, vamos ser claros: nem um nem outro participaram de ações armadas. Não passam de uns faroleiros. Mas tornam o Brasil menos civilizado.