Se Kleber Mendonça, diretor de “Aquarius”, for tão bom em cinema como é de lobby, vai ombrear um dia com Fellini ou com John Huston. Leio na “Ilustrada”, da Folha, um texto com este título, que também está no blog do repórter Guilherme Genestreti: “Diretor de ‘Aquarius’ ironiza e assume crítica de Reinaldo Azevedo como elogio”. Ele se refere ao fato de Mendonça ter usado uma frase minha, publicada neste blog, num cartaz promocional, a saber: “O dever das pessoas de bem é boicotar ‘Aquarius’”. O que, diga-se, reitero.
Eu e Genestreti temos certamente divergências sobre o sentido da palavra “ironia”. Sendo quem sou, pensando o que penso e dadas as razões por que afirmei, e reitero, que gente decente deve ignorar o filme, não há ironia nenhuma em Mendonça divulgar a minha frase. Somos adversários ideológicos. Ele é de esquerda, conquistou verba pública em razão de suas afinidades eletivas para fazer o seu filme e quer levar os petralhas todos para ver a sua obra. Como eles são alguns milhões, se o diretor for bem-sucedido, temos apenas o triunfo da lógica elementar.
O repórter erra também ao firmar que fiz uma “crítica”. Não fiz crítica nenhuma até porque, segundo os meus critérios, por decente que sou, não vi e não verei o filme. Também há um erro de registro ao sugerir que fiquei bravo com o expediente. Não mesmo! Acho até que fui meio bruto com Genestreti porque notei que ele não gostou da minha resposta quando indagou como eu me sentia por ser alvo da “ironia” de Mendonça. E eu disse: “Eu me sinto honrado, pois sempre que a frase de uma pessoa decente é usada por um delinquente, há alguma chance de essa delinquência ser corrigida”. Isso é uma ironia, meu caro jornalista.
Genestreti ficou meio agastado: “Você não acha a palavra ‘delinquente’ muito forte?”. Aí eu me zanguei um pouco — ele tinha me tirado da cama com o telefonema. “Você me ligou para saber o que penso ou pra julgar a minha resposta? Consulte o dicionário e verá que não é muito forte”.
O autor da reportagem se vinga suavemente da minha rispidez e arremata o texto assim, depois de registrar a frase forte: “concluiu Azevedo, que não viu o filme”. Mais duas correções: essa não foi a “conclusão”, mas o começo da conversa, né, Genestreti? E é ociosa a informação de que não vi o filme — uma óbvia tentativa de criar um contraste com a minha resposta — porque aí está, afinal, a razão da polêmica. Questão de lógica elementar.
“Delinquente”
A esta altura, o repórter da Ilustrada já deve ter ido ao Houaiss e visto que “delinquente” é aquilo ou aquele “que contraria a lei ou a moral”, podendo também ter o sentido de “infrator” e “criminoso”.
Acho que contraria a moral um sujeito fazer um filme com dinheiro público, viajar ao exterior às expensas do estado para participar de um festival e, lá fora, mentir a respeito do processo político brasileiro, abusando da sua condição de artista para emitir uma opinião política que não encontra respaldo nos fatos, na Constituição e nas leis. Desde o começo, critiquei justamente o uso da questão artística para fazer mero proselitismo.
Mais: de verdade, eu odiaria estar na pele de Mendonça e ter de apelar a um colunista que ele deve considerar “de direita” para atrair a esquerdalha burralda para a minha obra, que vai buscá-la não em razão de suas eventuais qualidades estéticas, mas como um ato de suposta resistência política. Eu detestaria atrair brucutus para aquilo que escrevo só para fazer sucesso.
Aliás, vejam como trato, por exemplo, a extrema direita no meu blog e onde quer que atue: aos pontapés. Eu não quero saber de boçais do meu lado porque supostamente comungamos das mesmas ideias. NÃO COMUNGAMOS! Não há nada pior do que receber o elogio de um imbecil. É mil vezes melhor o ataque de uma pessoa inteligente. Mendonça é diferente: ele está interessado em fazer volume.
A lei
Mas é delinquente também contrariar a lei. Respostas na forma de perguntas. Mendonça, venha cá — e conte para o nosso Genestreti, que certamente vai se interessar por esta pauta do jornalismo investigativo, que deve permear toda a Folha, também o seu caderno cultural:
– você não é sócio da produtora que recebeu os recursos?;
– você não foi remunerado como diretor?
Ora, você era funcionário público quando tudo isso se deu, lotado na Fundação Joaquim Nabuco, onde ainda se encontra. Nenhuma empresa da qual você fosse sócio e também você, como pessoa física, poderiam ter recebido recursos públicos, certo? Aí, meu caro repórter da Ilustrada, já não é mais delinquência na modalidade “transgressão da moral”, mas na modalidade “transgressão da lei” mesmo.
Foi, vamos dizer assim, um golpe na lei.