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O WikiLeaks e a questão relevante. Ou: a carranca velha do pós-moderno

Afirmei ontem  que iria propor uma questão que me parece central sobre Julian Assange. Não deu tempo. Faço-o hoje. Mas, antes, algumas considerações. O segredo de aborrecer é dizer tudo, afirmava um pensador que costumava aborrecer muita gente. Ou não vale a pena fazer blog, não é? Julian Assange não é, definitivamente, o meu herói. […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 13h25 - Publicado em 7 dez 2010, 17h03

Afirmei ontem  que iria propor uma questão que me parece central sobre Julian Assange. Não deu tempo. Faço-o hoje. Mas, antes, algumas considerações. O segredo de aborrecer é dizer tudo, afirmava um pensador que costumava aborrecer muita gente. Ou não vale a pena fazer blog, não é? Julian Assange não é, definitivamente, o meu herói. Tampouco o considero um paladino do bem dos tempos modernos — ou pós-modernos. Penso, viro e reviro as leis — LEIS DEMOCRÁTICAS, SEM AS QUAIS NÃO HÁ ESTADO ORGANIZADO E GARANTIA DE DIREITOS, QUE SUSTENTAM AS MELHORES CONQUISTAS DO MELHOR, SE ME PERMITEM, OCIDENTE!!! —, e não consigo deixar de considerar que este rapaz, que ama os holofotes — e como lhe dão o que ele gosta!!! — cometeu uma penca de crimes.

Já escrevi algumas vezes e reitero, reiteração necessária em tempos em que insistem em desprezar o sentido das palavras: a informação chegou à imprensa e diz respeito a questões públicas? Que se publique! Mas isso não exime o WikiLeaks e Assange de seus crimes. E a informação primitiva, no caso do vazamento dos telegramas — e antes, diga-se — foi obtida de maneira criminosa. Se isso que digo está errado, qual é, então, a tese? Os governos ficarão impedidos de atuar protegidos por sigilo? Os EUA estavam, por acaso, envolvidos em alguma ação criminosa?

Leio alguns textos bobinhos, que tentam transformar Assange num paladino da sociedade civil contra o estado. Huuummm… Uma ova! Eu não tenho nada contra os estados democráticos e sua organização; ao contrário: sou um de seus ferrenhos defensores. E essa história da “sociedade em rede” contra os governos ou os estados é uma rematada bobagem. Até parece que a infra-estrutura que garante o circo é fruto da iniciativa de internautas românticos e “anarquistas”… Originalmente, a Internet é tecnologia de guerra. Democratizou a informação? Sim! Pode ser usada para praticar crimes? Como qualquer outra coisa. Até uma bíblia pode ser usada para esmagar um crânio.

A divulgação dos pontos do planeta que os EUA consideram estratégicos é prática similar ao terrorismo — e eu acho que é quem mais tem interesse na informação. Leio gente boa a dizer: “Ah, mas isso não é segredo para quase ninguém; nem para os terroristas”. É possível! Mas e se fosse? Assange divulgaria ou não? Estou começando a me aproximar da pergunta essencial, que todo indivíduo tem de responder.

O que Assange faz, à diferença do que sugerem alguns, não é jornalismo. Jornalistas, ao menos os decentes, não fazem ameaças. “Olhem que eu tenho aqui o segredo de um grande banco; olhem que eu tenho aqui uma informação verdadeiramente devastadora”. Não dá! O pós-moderno Assange lembra, muitas vezes, Kim Jong-Il, que vive aterrorizando| os vizinhos com a sua bomba. Qual é? Se lhe reconhecermos o direito de operar assim porque queremos nos refestelar com o seu “banquete de informações”, conforme expressão cunhada por um acadêmico, então devemos condescender com uma variante do terrorismo.

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E agora a questão
O WikiLeaks não tem mais nada de obra coletiva. Há edição e seleção do material, especialmente agora, quando, espertamente, Assange resolveu se associar a empresas de comunicação. Poucos se deram conta de um troço estranho que aconteceu nesse processo:  o homem do WikiLeaks tomou o lugar do estado americano. A prerrogativa que antes pertencia ao governo daquele país — divulgar ou não determinada informação — foi transferida para ele. E cabe perguntar: com que legitimidade? O governo americano está submetido ao controle democrático, tem de prestar contas. Tanto Obama, apenas o governante de turno, como os congressistas foram eleitos pelo povo e têm de prestar contas por seus atos. Certo! Não confiamos neles, não é? Mas vamos confiar em Assange para combatê-los? Prefiro os limites a que o poder formal está submetido àqueles do comandante do WikiLeaks, até porque não sei quais são eles.

Também não me conforta nem me alegra ver uma democracia exposta a esse tipo de rapinagem, enquanto as tiranias vão muito bem, obrigado!, com seus sistemas muito seguros… Estou, sim, entre aqueles que acreditam que nada de muito importante foi revelado até agora. Eu até diria que nós todos descobrimos que a diplomacia americana  é melhor e mais realista do que imaginávamos. Os EUA, no entanto, estão sendo ridicularizados. Por quem e para quê? “Eles que cuidassem melhor do que era sigiloso”. Sem dúvida! Mas isso não torna o conjunto da obra um monumento à ética!

Não, não! Não vou embarcar nessa, embora, a exemplo de todo mundo, eu também goste de saber dos “interiores”, das histórias de bastidor, do comentário mais ácido deste ou daquele diplomatas, das malandragens retóricas dos governos (inclusive do governo brasileiro). É humano. A gente curte dar uma olhadela clandestina, furtiva,  até em revista de celebridades enquanto aguarda ser chamado pelo médico ou espera para cortar o cabelo.

Os entusiasmados que me desculpem, mas sou obrigado a fazer a pergunta de sempre diante das ações de Assange: se todos agirem como ele, o mundo será melhor ou pior?  Será bem pior! A democracia se inviabiliza. E, no meu tribunalzinho particular aqui, não transferirei do governo americano para ele a autonomia de decidir o que a gente pode ou não pode saber. E encerro chamando a atenção de você para um outro aspecto dessa história: a defesa de Assange, este suposto paladino da sociedade da rede,  está assumindo uma das faces do primitivo e rancoroso antiamericanismo. E nada é mais velho do que isso.

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