O que pode acontecer quando Ideli Salvatti une o seu pensamento ao dos jesuítas? Eu mostro.
Ideli Salvatti estréia na articulação política citando, provavelmente sem saber, uma das divisas dos jesuítas. Para negá-la em seguida. Vamos ver. A nova coordenadora política do governo tomou posse hoje no ministério das Relações Institucionais. A ministra que, na sexta, lançou o verbo “parceirizar” demonstra que veio para fazer a diferença. Não entendi direito o […]
Ideli Salvatti estréia na articulação política citando, provavelmente sem saber, uma das divisas dos jesuítas. Para negá-la em seguida. Vamos ver.
A nova coordenadora política do governo tomou posse hoje no ministério das Relações Institucionais. A ministra que, na sexta, lançou o verbo “parceirizar” demonstra que veio para fazer a diferença. Não entendi direito o que ela falou. Ou, se entendi, os jesuítas só entraram de contrabando por conta de algum livro de citações caído na mão de um assessor. Num momento em que dava conta da seriedade do seu cargo e de quão árdua e severa é sua missão, Ideli avançou pelo terreno da filosofia. Mandou bala na nuca da lógica:
“Lembrarei de atitudes fundamentais para o sucesso de uma boa pescaria. A paciência e a espera. Paciência para encontrar o caminho do entendimento. E a espera para que, sempre que a urgência se faça necessária, compreender que o recuo é fundamental”.
Estou aqui há quase uma hora tentando entender o que significa “sempre que a urgência se faça necessária, compreender que o recuo é fundamental”? Como diria o ex-neo-socialista e atual peedemedebista Gabriel Chalita, aquele que nos ama, “não entendi nada, mas adorei”.
Ideli vem mesmo para romper a sabedoria convencional. A “urgência” costuma estar ligada à idéia de “avanço”, não? Antigamente, quando se usavam ao menos uns 50 verbos no Brasil, era possível dizer: “Urge que tomemos alguma providência”. A “urgência do recuo”, salvo melhor juízo, é o outro nome da covardia. “Soldados, urge que recuemos”… E lá vai a soldadesca em desabalada e deselegante carreira…
“O sucesso de uma boa pescaria” deriva da “paciência para encontrar o caminho do entendimento”? Entendimento com quem? Com o peixe? Deve-se tentar convencê-lo a cair na rede ou a meter a boca no anzol? Eu sei que são palavras em português, mas que língua é essa? O pensamento torto enseja a ação reta?
No mesmo discurso em que inaugurou a urgência do recuo como decisão estratégica (!?), afirmou: “Serei firme nos princípios e afável na abordagem”. Huuummm… “Fortes in fine consequendo et suaves in modo et ratione assequendi simus”, escreveu o jesuíta Cláudio Acquaviva (1543-1615) em “Cuidados para Curar As Doenças da Alma”. Ou: “Sejamos fortes para alcançar o fim, mas suaves no modo e no meio de consegui-lo.” O norte moral entrou para a história da retórica numa forma reduzida, tornada uma espécie de lema dos jesuítas: “Fortiter in re, suaviter in modo”. Tradução literal: “Fortemente na coisa, suavemente no modo”. Como isso fica parecendo a língua da Ideli, pode-se melhorar: agir com suavidade, mas sem transigir nos princípios.
Admitindo-se que a maçaroca discursiva de Ideli tenha algum sentido, entendi que ela pretende fazer o contrário do que pregavam, e praticavam, os jesuítas, que jamais recuavam mesmo em face de uma “urgência necessária”…
Os mais jovens não se lembram ou não sabem. Fernando Collor, quando presidente, costumava correr aos domingos, com um grupo de repórteres sempre atrás (coitados!), estampando dizeres em camisetas que eram recados à nação. Havia coisas como “Drogas, Independência ou morte” e “Não fale em crise, trabalhe”. Uma delas era justamente uma derivação do lema de Acquaviva. Quando já estava claro que seu governo terminaria no brejo, estampou: “O tempo é senhor da razão”.
Collor e Ideli estão juntos hoje na sustentação ao governo Dilma. Ele continua o mesmo. O tempo é senhor da razão.