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Reinaldo Azevedo

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Nas mãos de Barroso, futuro ministro do STF, a paz ou a guerra entre índios e produtores de comida

Em 2008, o Supremo Tribunal Federal tomou uma decisão estupidamente errada sobre Raposa Serra do Sol, em Roraima, endossando a poesia indianista do então ministro Ayres Britto, relator do caso. Os arrozeiros, como sabem, foram expulsos da área. Não só eles. Houve uma fuga em massa de índios, que ficaram sem emprego. Hoje, moram em […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 5 jun 2024, 09h17 - Publicado em 1 jun 2013, 08h35

Em 2008, o Supremo Tribunal Federal tomou uma decisão estupidamente errada sobre Raposa Serra do Sol, em Roraima, endossando a poesia indianista do então ministro Ayres Britto, relator do caso. Os arrozeiros, como sabem, foram expulsos da área. Não só eles. Houve uma fuga em massa de índios, que ficaram sem emprego. Hoje, moram em favelas e lixões de Boa Vista.

Mas, por iniciativa do ministro Menezes Direito, já morto (infelizmente!), estabeleceram-se 18 condições — Gilmar Mendes sugeriu a 19ª — que teriam de ser obrigatoriamente seguidas não só no caso de Raposa Serra do Sol, mas também nas futuras demarcações. Como nunca deixo vocês na chuva, eu as publiquei aqui no dia 10 de dezembro de 2008. Muito bem!

As 19 condicionantes acabaram fazendo parte do acórdão. Ocorre que as partes envolvidas entraram com embargos de declaração — que é aquele recurso que cobra a elucidação de passagens do texto, a eliminação de eventuais ambiguidades, esclarecimentos. Britto deixou o tribunal sem que se pronunciasse a respeito. O caso passa automaticamente para o ministro que assume a vaga que ele ocupava: Barroso!

Vamos ver o que vai fazer o futuro ministro. Ele tem um histórico ligado, como direi?, à agenda politicamente correta — e os índios são como bibelôs para certos deslumbrados.

Luís Inácio Adams, advogado-geral da União, que já critiquei quando achei que era o caso, fez a coisa certa nesse particular. Procurou dar efetividade às condicionantes aprovadas pelo STF. Assinou no dia 16 de julho do ano passado a Portaria 303, que trata do que chamou “salvaguardas institucionais às terras indígenas”. Elas repetem, literalmente, o que foi aprovado no STF. A Funai e o indianismo do miolo mole reclamaram. Preferem a desordem, o mundo em que tudo é possível.

Reproduzo abaixo a portaria de Adams, que incorpora as 19 condicionantes — a rigor, a única coisa boa decidida naquele julgamento. Menezes Direito era um homem sagaz. Ao perceber que Raposa Serra do Sol já havia caído presa da irracionalidade e que aquele processo era irreversível, cuidou do ordenamento jurídico de demandas futuras. Leiam a portaria e notem que as exigências são apenas matéria de bom senso. Volto para encerrar.

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PORTARIA Nº 303, DE 16 DE JULHO DE 2012
Dispõe sobre as salvaguardas institucionais às terras indígenas conforme entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal na Petição 3.388 RR.

O ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO, no uso das atribuições que lhe conferem o art. 87, parágrafo único, inciso II, da Constituição Federal e o art. 4º, incisos X e XVIII, da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, e considerando a necessidade de normatizar a atuação das unidades da Advocacia-Geral da União em relação às salvaguardas institucionais às terras indígenas, nos termos do entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal na Petição 3.388-Roraima (caso Raposa Serra do Sol), cujo alcance já foi esclarecido por intermédio do PARECER nº 153/2010/DENOR/CGU/AGU, devidamente aprovado, resolve:

Art. 1º. Fixar a interpretação das salvaguardas às terras indígenas, a ser uniformemente seguida pelos órgãos jurídicos da Administração Pública Federal direta e indireta, determinando que se observe o decidido pelo STF na Pet. 3.888-Roraima, na forma das condicionantes abaixo:

“(I) o usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas (art. 231, §2º, da Constituição Federal) pode ser relativizado sempre que houver, como dispõe o art. 231, 6º, da Constituição, relevante interesse público da União, na forma de lei complementar”.

“(II) o usufruto dos índios não abrange o aproveitamento de recursos hídricos e potenciais energéticos, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional”.

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“(III) o usufruto dos índios não abrange a pesquisa e lavra das riquezas minerais, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional assegurando-lhes a participação nos resultados da lavra, na forma da Lei”.

“(IV) o usufruto dos índios não abrange a garimpagem nem a faiscação, devendo, se for o caso, ser obtida a permissão de lavra garimpeira”.

“(V) o usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da política de defesa nacional; a instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico, a critério dos órgãos competentes (Ministério da Defesa e Conselho de Defesa Nacional), serão implementados independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à FUNAI”.

“(VI) a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal na área indígena, no âmbito de suas atribuições, fica assegurada e se dará independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à FUNAI”.

“(VII) o usufruto dos índios não impede a instalação, pela União Federal, de equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além das construções necessárias à prestação de serviços públicos pela União, especialmente os de saúde e educação”.

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“(VIII) o usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação fica sob a responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade”.

“(IX) o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade responderá pela administração da área da unidade de conservação também afetada pela terra indígena com a participação das comunidades indígenas, que deverão ser ouvidas, levando-se em conta os usos, tradições e costumes dos indígenas, podendo para tanto contar com a consultoria da FUNAI”.

“(X) o trânsito de visitantes e pesquisadores não-índios deve ser admitido na área afetada à unidade de conservação nos horários e condições estipulados pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade”.

“(XI) devem ser admitidos o ingresso, o trânsito e a permanência de não-índios no restante da área da terra indígena, observadas as condições estabelecidas pela FUNAI”.

“(XII) o ingresso, o trânsito e a permanência de não-índios não pode ser objeto de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas”.

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“(XIII) a cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza também não poderá incidir ou ser exigida em troca da utilização das estradas, equipamentos públicos, linhas de transmissão de energia ou de quaisquer outros equipamentos e instalações colocadas a serviço do público, tenham sido excluídos expressamente da homologação, ou não”.

“(XIV) as terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico que restrinja o pleno exercício do usufruto e da posse direta pela comunidade indígena ou pelos índios (art. 231, § 2º, Constituição Federal c/c art. 18, caput, Lei nº 6.001/1973)”.

“(XV) é vedada, nas terras indígenas, a qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas, a prática de caça, pesca ou coleta de frutos, assim como de atividade agropecuária ou extrativa (art. 231, § 2º, Constituição Federal, c/c art. 18, § 1º. Lei nº 6.001/1973)”.

“(XVI) as terras sob ocupação e posse dos grupos e das comunidades indígenas, o usufruto exclusivo das riquezas naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas, observado o disposto nos arts. 49, XVI e 231, § 3º, da CR/88, bem como a renda indígena (art. 43 da Lei nº 6.001/1973), gozam de plena imunidade tributária, não cabendo à cobrança de quaisquer impostos, taxas ou contribuições sobre uns e ou outros”.

“(XVII) é vedada a ampliação da terra indígena já demarcada”.

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“(XVIII) os direitos dos índios relacionados às suas terras são imprescritíveis e estas são inalienáveis e indisponíveis (art. 231,§ 4º, CR/88)”.

“(XIX) é assegurada a participação dos entes federados no procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas, encravadas em seus territórios, observada a fase em que se encontrar o procedimento”.

Art. 2º. Os procedimentos em curso que estejam em desacordo com as condicionantes indicadas no art. 1º serão revistos no prazo de cento e vinte dias, contado da data da publicação desta Portaria.
Art. 3º. Os procedimentos finalizados serão revisados e adequados a presente Portaria.
Art. 4º. O procedimento relativo à condicionante XVII, no que se refere à vedação de ampliação de terra indígena mediante revisão de demarcação concluída, não se aplica aos casos de vício insanável ou de nulidade absoluta.
Art. 5°. O procedimento relativo à condicionante XI X é aquele fixado por portaria do Ministro de Estado da Justiça.
Art. 6º. Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
LUIS INACIO LUCENA ADAMS

Encerro
A Funai, o Conselho Indigenista Missionário e os ongueiros de índios pedem a revogação da portaria. Repudiam especialmente as condicionantes XVII e XIX: a primeira proíbe a Funai de ampliar áreas já demarcadas. Boa parte da bagunça que aí está decorre justamente de ampliações arbitrárias. A XIX estabelece que, independentemente da fase em que esteja a demarcação, os entes federados — isto é, União, Estados e Municípios — têm o direito de participar dos debates. Acaba a farra de a Funai decidir sozinha, olimpicamente, as demarcações.

Vale dizer: as 19 condicionantes lembram que o Brasil é uma República, em que nenhum Poder é soberano — a Funai muito menos, que nem Poder é!

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