Com a morte de Menezes Direito, ministro do Supremo Tribunal Federal, cabe a Lula indicar o substituto. De novo! O seu preferido é o atual advogado geral da União, José Antônio Dias Toffoli, de 42 anos. Já comentei isso aqui. O que não está suficientemente claro é que Toffoli ainda não está intelectualmente preparado para o cargo, não tendo também, entendo, condições políticas de exercê-lo. Por quê? Porque ele foi reprovado não uma, mas duas vezes em concursos públicos para juiz de primeiro grau em São Paulo. Ele já esteve antes no governo, a primeira vez servindo a José Dirceu, na Casa Civil. Entre aquela experiência e a AGU, voltou à advocacia privada. Advogados, nessas circunstâncias, encontram clientes que são verdadeiros aviões. Eles podem até lhes robustecer o currículo e o cofre — sem qualquer ilação maliciosa aqui —, mas podem lhes comprometer certas aspirações legítimas, mas tornadas impróprias. Calma, leitor. Não fique aflito. Farei como o redivivo Belchior na música Medo de Avião: pegarei na sua mão. Tenho a certeza de que você entenderá. Primeiro aos concursos.
Toffoli foi reprovado no 165º e no 166º concursos para juiz de primeiro grau em São Paulo, nos anos de 1994 e 1995, respectivamente. Nas duas vezes, bombou na primeira fase do concurso, naquela de Conhecimentos Gerais e noções básicas, muito básicas, de direito. Tempo para estudar não lhe faltou, não é? Ele se formou em 1990. Ora, o que se exige de um ministro do Supremo? Notório saber jurídico. A rigor, qualquer um pode ser ministro, até Lula. Não precisa de diploma nem mesmo de torneiro mecânico. Basta ter o tal “notório saber”. e não ficar com sono quando lê um livro. Goste-se ou não dos concursos, o fato é que são reconhecidos pela Justiça como um dos critérios de acesso para grupo tão seleto. E Toffoli levou pau duas vezes. Não é assim porque eu quero. É assim porque ele não passou nas provas de Conhecimentos Gerais.
“Ora, dirá alguém, e daí?” Daí que, até onde acompanho, as coisas começariam a ficar bem esquisitas para ele — além da suspeita óbvia de que as reprovações indicam insuficiência. Como ministro do Supremo, uma de suas tarefas seria, inclusive, julgar recursos originários de um tribunal de São Paulo, onde foi reprovado. Não dá. Ele é novo ainda: tem apenas 42 anos. Se quer mesmo chegar ao Supremo, deve trilhar o caminho das leis. Ocorre que ele escolheu o da política. Há 14 anos, em 1995, era um jovem de apenas 28. Em vez de continuar a rachar o coco para ser juiz, optou por ser assessor parlamentar da liderança do PT na Câmara Federal, onde ficou até 2000. Vale dizer: desistiu de ser juiz. Só voltou a pensar no assunto quando começaram a surgir vagas no Supremo.
Com a devida vênia: sem ser bom o bastante para a primeira instância, Toffoli quer logo a última instância? É preciso mais prudência e menos vaidade, não é mesmo? “Ah, Reinaldo, Einstein teve problemas nas aulas de matemática, e Mozart era tido como idiota”. Tá bom. Então a gente nomeia Toffoli depois que ele entregar a sua Teoria da Relatividade ou a sua Flauta Mágica.
Só para vocês terem uma idéia: a OAB exclui de sua lista de indicações para a formação do quinto constitucional profissionais que tenham sido reprovados nesses concursos. Acreditam que a reprovação é evidência de falta o “notório saber jurídico”. A questão óbvia que se coloca é esta: alguém reprovado no concurso para juiz de primeira instância vai se tornar logo desembargador? E há o aspecto político. Vamos ver.
Cartilhas sumidas
Vocês se lembram daquela história das cartilhas impressas pela Secom, quando Luiz Gushiken era o titular da área, que o Tribunal de Contas da União jamais conseguiu encontrar? Pois é… A íntegra da história está aqui, em link aberto. Segue um trecho da reportagem de VEJA, de setembro de 2006, para que vocês lembrem do que se trata.
Por quase um ano os desdobramentos do escândalo do mensalão ofuscaram um mistério envolvendo as contas de publicidade da Presidência da República. No calor da CPI dos Correios, em outubro de 2005, uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) notou que faltava a comprovação de 11 milhões de reais dos gastos da Secretaria de Comunicação (Secom), subordinada diretamente à Presidência. O tribunal apontou superfaturamento na aquisição de materiais gráficos e não encontrou provas da manufatura e distribuição de quase 2 milhões de exemplares de um total de 5 milhões de revistas e encartes que a Secom mandou produzir. Os folhetos continham propaganda do governo e críticas à administração anterior. A Secom não reconheceu o diagnóstico de superfaturamento e pediu mais prazo para fornecer os comprovantes dos encartes “desaparecidos”, alegando que eles não haviam sido guardados pelas agências de publicidade encarregadas de encomendar a execução dos serviços gráficos.
Muito bem. Depois de ter pedido prazo, a Secom compareceu com uma justificativa no mínimo estranha, que poderia ter sido dada logo de cara. Em vez de entregar as cartilhas à secretaria, as duas agências de publicidade as teriam repassado diretamente ao PT, que logo as entregou ao povo. Huuummm… E quais eram as agências que cuidavam do assunto? Informo com um trecho daquela mesma reportagem:
A primeira delas, a Duda Mendonça & Associados, leva o nome do célebre marqueteiro baiano especialista em rinhas de galo, caixa dois e contas não declaradas no exterior. A segunda é a Matisse, originalmente de Campinas, onde atuava como empresa de médio porte até conquistar, para surpresa geral, a conta da Presidência da República. A Matisse pertence a Paulo de Tarso Santos, publicitário amigo do presidente e marqueteiro das duas primeiras campanhas fracassadas de Lula ao Planalto, em 1989 e 1994.
E Toffoli nisso tudo? Ele foi o advogado da Matisse nesse caso e defendeu a tese de que não haveria nada de errado em material impresso com dinheiro público ser distribuído por um partido se ficasse provado que ele era mais eficiente nessa distribuição do que o próprio governo. Imaginem uma tese como essa iluminando uma Corte Suprema.!! Você paga imposto, leitor? Deixe de pagar e prove ao governo que você é mais eficiente em transformar aquela grana em benefício aos pobres. Dada a argumentação de Toffli, a exemplo do “partido”, você também é um ente privado distribuindo o que pertence ao público. A diferença, creio, é que o dinheiro que você paga pode ser comprovado. A existência daquele lote de cartilhas? Bem, isso nunca ninguém conseguiu provar.
Como já vimos, Toffoli começou a trabalhar para o PT em 1995, ano da sua segunda reprovação no concurso para juiz de primeira instância. Depois, foi advogado de Lula nas campanhas eleitorais de 1998, 2002 e 2006 — sim, há menos de três anos. Estava naquele intervalo entre a Casa Civil e a AGU. Foi quando teve clientes privados, como a Matisse . Como já escrevi, advogados com essa bagagem conseguem clientes privados que são verdadeiros aviões do mundo dos negócios. Não tenho dúvida de que Toffoli tem uma brilhante carreira na advocacia privada.
Ademais, até onde alcanço, seria a primeira vez que um presidente da República indicaria para o Supremo alguém que tenha sido seu advogado pessoal. Sim, Toffoli trabalhava para o petismo, mas ele era advogado de Lula: em 1998, em 2002 e em 2006.
Nem aí
Lula é quem é. Já desenvolvi aqui a minha tese sobre a sua falta de superego. Ou vocês se esquecem de que ele fez a concessão de uma rádio ao filho de Renan Calheiros no auge da crise do Senado? Até poderia tê-lo feito depois, esperando baixar a poeira. Mas vocês sabem como ele é movido pelo espírito “ninguém manda ni mim“, não é?
O presidente pode indicar Toffoli apesar desses óbices todos? Pode. Toffoli é que deveria, a esta altura, ter um pouco de simancol. Dado o seu currículo, jovem ainda, ele tem uma brilhante carreira pela frente no mundo privado, é um verdadeiro avião. Não tem por que ser o Renan Calheiros de Lula no Supremo.
Sempre restaria a suspeita de que ele só teria passado nesse “concurso” porque o examinar de Conhecimentos Gerais era Lula…