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Reinaldo Azevedo

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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura

Direita, esquerda, loucura e método

Eu tenho, vocês sabem, uma definição do que são direita e esquerda assentada na história e, tanto quanto possível, livre, em princípio, de uma carga valorativa. Esquerdista, pra mim, é todo aquele que aceita, sob certas condições (alguns aceitam sempre), solapar a lei em nome do que entende ser justiça social. Direitista é quem não […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 22h33 - Publicado em 3 abr 2007, 06h03
Eu tenho, vocês sabem, uma definição do que são direita e esquerda assentada na história e, tanto quanto possível, livre, em princípio, de uma carga valorativa. Esquerdista, pra mim, é todo aquele que aceita, sob certas condições (alguns aceitam sempre), solapar a lei em nome do que entende ser justiça social. Direitista é quem não aceita esse solapamento e quer o triunfo da lei, independentemente de ela produzir mais ou menos justiça social. Reparem que estou sendo bonzinho. Não emprego o sinistro critério das mortes para julgar: extremistas de esquerda e de direita já mataram muito. A montanha de cadáveres da esquerda é bem maior sob qualquer critério que se queira. Adiante.

Os partidários da social-democracia, por exemplo, querem-se da esquerda moderada e, por isso, rejeitam o stalinismo porque ele é avesso à liberdade; os liberais, incluídos na direita, repudiam a herança fascista porque, obviamente, ele foi antiliberal. Segundo o que vai acima (a minha própria definição, pois), sou de direita. Sempre que a lei vai para o diabo em nome da justiça, estou convicto de que se produz ainda mais injustiça — que vem a ser o exato contrário do que a esquerda diz pretender. De fato, eu não acredito que possa haver progresso sem o triunfo da ordem legal. Se e quando for o caso de mudá-la, o Parlamento é o lugar para tratar do assunto. Mundo afora, acho que essa clivagem distingue, se for o caso de se eliminar a marca excessivamente ideológica das palavras “direita” e “esquerda”, “progressistas” e “conservadores”.

Mas não se distinguem só nos métodos e em como tratam a ordem legal. Esquerdistas e direitistas também têm visões opostas sobre o papel do Estado, do indivíduo, da família — alimentam, em suma, utopias e até escatologias contrastantes. Também nesse caso, creio que meu universo mental esteja mais à direita. No melhor do meu mundo, cada indivíduo se preocupa só consigo mesmo e com a sua família e responde pelos seus atos, com as regras de respeito ao outro devidamente interiorizadas, sem a necessidade de um Estado vigilante. A esquerda vê em cada indivíduo um risco e aposta que o contrato social, e só ele, é que pode regulá-lo. Nem uma nem outra viverão o melhor do mundo que imaginam. E, como disse, suas escatologias também são opostas: o fim do mundo para um direitista é o descrito por George Orwell em 1984. O do esquerdista é aquele anunciado por Francis Fukuyama em O Fim da História e o Último Homem — “Então não nos libertaremos mais?”, eles se perguntariam.

Mesmo com o Banco Central entregue aos cuidados de Henrique Meirelles, o PT continua a ser de esquerda? É claro que sim. Uma esquerda que busca o socialismo? Bem, acho que os petistas já se tornaram mais cínicos do que isso. Imaginar que o Brasil possa, estando onde está, vir a ter uma economia planificada nos moldes socialistas me parece besteira. O mercado, reparem, não dá a menor bola para esse tipo de debate. Ele não quer saber qual é a ideologia do petismo. A sua pergunta sempre será a seguinte: o modelo rende? Rende. Então tudo está no seu devido lugar.

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O PT tem a sua “utopia” sem jamais deixar de ser realista. Continua de esquerda, sim, porquanto não enxerga na ordem legal, nas instituições, um limite para a sua ação. Ao contrário: ao se dizer o partido dos “movimentos sociais”, assume o ambíguo papel de quem, no poder, responde pela aplicação da lei e, fora dele, pela sua transgressão. Na realização extrema dessa ambigüidade, é petista tanto o criminoso como o seu juiz, tanto o bandido como a polícia. No confronto entre a ordem e a desordem, a soma é diferente de zero, porque é evidente que a lei está sempre alguns passos atrás dos anseios. Ela existe, aliás, para regulá-los.

Os direitistas, os conservadores, mostram-se ainda despreparados para entender esse jogo petista — e, por isso, estão comendo poeira. E talvez venham a comê-la ainda por um bom tempo. Quando Lula faz uma política econômica que, exceção feita a um detalhe ou outro, é do agrado do mercado, a crítica da “direita” ao petismo logo se deixa desvanecer pelo pragmatismo: “Afinal, ele está seguindo as regras”. Há uma enorme dificuldade de reconhecer que “seguir as regras” é uma precondição — ou condição necessária — para que todo o resto do arcabouço legal seja permanentemente confrontado pelo “ilegalismo” do que os petistas chamam “movimentos sociais” ou “sociedade organizada”. Como eles dizem, o “legítimo” vale mais do que o “legal”.

Eu, um “direitista” segundo os termos aqui aplicados, vejo, por exemplo, uma lenta, mas permanente, desinstitucionalização do país. Está presente na relação entre os três Poderes, na educação, na cultura política, na confusão entre o público e o privado, no reiterado desprestígio da ordem legal, na sem-cerimônia com que o estado, por meio de seus vários agentes, dá uma solene banana para quem paga as contas da máquina: o cidadão comum. E tenho muito claro que essas coisas não são ocorrências fortuitas, não. Há um projeto de poder que as organiza. E este projeto está em curso — na verdade, já é uma realização.

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Fiquemos com o caso dos controladores de vôo. Não, eu não creio, é certo, que Lula tudo fez para que a crise chegasse a esse ponto, até ser levado a desautorizar o comandante da Aeronáutica. O descalabro não resulta de uma conspiração, mas de uma consideração tipicamente da esquerda: as instituições são entraves para se chegar à solução, e não seus instrumentos — que é o que pensa a direita democrática.

Ora, ora, ora… Há, sim, esquerdistas, petistas ou não, que sabem muito bem o nome do que praticam. Se forem de cepa legítima, desprezam a democracia porque tal modelo não coexiste com a crença de que uma classe ou grupo detém a verdade histórica. A rigor, alguém que se diz esquerdista e, ao mesmo tempo, democrata só está plantando antíteses no jardim. Se realmente consciente daquilo que é, ou será uma coisa ou outra. Mas há, admito, os que confundem impulsos de generosidade, seu desejo de justiça social, com o que imaginam ser um país ou um mundo governado pela esquerda. São ingênuos a serviço de uma causa cujo alcance desconhecem.

O PT continua, sim, a ser de esquerda, em especial no entendimento que tem da política e na forma como imagina organizado o poder. Os inocentes ou muito interesseiros gostam de afirmar a existência de um Lula que contraria grandes interesses e que, por isso, é detestado pelas elites — aquela bobajada que se encontra, com freqüência, nos blogs dos anões. Alguém seria capaz de citar uma briga importante, uma que seja, que Lula tenha comprado com os “poderosos” (como eles gostam de dizer)? Vamos lá. Uma me basta. Não há. Lula é de uma subserviência exemplar.

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Mas não é inocente. Não é bobo. Não é um qualquer. Sabem o que há em comum entre o mensalão e a desmoralização do comandante da Aeronáutica? A convicção plena, clara, exercida com desassombro, de que as instituições estão aí para ser superadas; de que as instituições são tabus, que devem ser quebrados; de que as instituições são vontades manifestas dos “inimigos” e precisam, pois, ser reformuladas, mudadas. É claro que Lula e o PT, ainda que fiquem cem anos no poder, não vão construir o socialismo porcaria nenhuma. Mas podem, sim, construir um modelo autoritário, para o qual a tradição esquerdista do partido é utilíssima.

Repetindo, então, o já bastante citado Polônio, de Hamlet: o que Lula fez com a Aeronáutica é, sim, uma loucura. Mas tem método.

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