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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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Dinheiro público, da Fapesp, é usado para ensinar o “consumo responsável” de ecstasy. Sim, você leu direito!

Você, leitor, aí na faina diária, está sustentando, com o seu dinheiro, por meio da Faculdade de Psicologia da USP e da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) uma “pesquisa” voltada para a chamada política de redução de danos no consumo de ecstasy. O projeto tem até um site, chamado […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 22h23 - Publicado em 18 jun 2007, 06h43
Você, leitor, aí na faina diária, está sustentando, com o seu dinheiro, por meio da Faculdade de Psicologia da USP e da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) uma “pesquisa” voltada para a chamada política de redução de danos no consumo de ecstasy. O projeto tem até um site, chamado baladaboa. O que os caras fazem? Não acreditem em mim. Acreditem neles. Segue a síntese do projeto, que colei do site:

“O projeto prevê a elaboração, impressão e distribuição de material de Redução de Danos para o uso de ecstasy em locais onde usuários são encontrados com freqüência. Essa intervenção será avaliada através de questionário on-line acessado voluntariamente por participantes, do impacto nos meios de comunicação e de entrevistas com informantes-chave. A partir da avaliação realizada o projeto será sistematizado e poderá ser replicado em contextos que justifiquem uma intervenção preventiva para o uso de ecstasy.”

Site e programa são uma glamourização disfarçada, fingindo-se de linguagem científica, do consumo de ecstasy. Nada mais é do que uma variante da cultura da droga, agora financiada com dinheiro público. Na home, vem uma advertência patética: “Um princípio básico do projeto Baladaboa é a transmissão de informações comprovadas baseadas na ciência e não em ideologias morais ou políticas.” Só esse trecho deveria levar a Fapesp a suspender seu vergonhoso patrocínio. Quer dizer que “ideologias morais ou políticas” são sempre as dos outros? À parte o fato de a expressão “ideologia moral” ser coisa de analfabeto ideológico e moral, é evidente que também as pessoas que se dedicam a esse trabalho têm uma ideologia, têm uma moral. A festa é comandada pela professora doutora Maria Teresa Araujo Silva.

Flyers
Se você não sentiu náuseas até aqui, ainda terá a oportunidade. O projeto distribui oito flyers em baladas com informações sobre o consumo do ecstasy. Se você entrar no site dos valentes, terá acesso a cada um deles. A estética já deixa evidente a galmourização do consumo. Opta-se por um visual um tanto, como direi?, lisérgico. É uma espécie de pedagogia de Paulo Freire voltada para analfabetos morais: já que falam de droga, usam a linguagem de um drogado — ao menos a visual. Na composição, nas cores, nas imagens, tudo lembra uma festa pop.

Li cada um dos flyers. Acredite, leitor. Em nenhum deles, em nenhum momento, há ao menos a sugestão para que não se consuma ecstasy. Ao contrário: TUDO É FEITO PARA QUE O LEITOR CONSUMA A DROGA SEM DESCONFORTO. Leia você mesmo, julgue você mesmo. Os males decorrentes do ecstasy são tratados sempre como probabilidades, possibilidades — no máximo, riscos. Jamais como uma certeza. O Baladaboa acha que ainda não há ciência disponível que confirme os prejuízos da droga.

Em um deles, a coisa chega a ser perversa. Está escrito lá: “Droga ‘leve’ ou ‘segura’ é um termo inadequado a qualquer droga. A interação droga-organismo é algo particular. Uma droga pode trazer prejuízos para uns, sendo inócua ou benéfica para outros”. Eu nada entendo de química, mas de linguagem eu entendo. E esse texto é delinqüente. Num país decente, seus responsáveis seriam acionados judicialmente; num país que se respeitasse, o Ministério Público chamaria a Fapesp e a USP, que financiam esse despropósito, às falas. E explico por quê. Sempre tendo o texto como referência:

– se o termo “droga leve” ou “segura” é adequado, quer dizer que cigarro pode se igualar a ecstasy. Os efeitos de uma overdose são os mesmos? O risco de dirigir sob o efeito de ecstasy e de nicotina é idêntico? Não há diferença, então, entre ecstasy e Prozac?;

– se, para alguns, a droga pode ser inócua ou benéfica — e reparem que o texto é genérico —, isso quer dizer que ecstasy, cocaína ou nicotina podem ser, a depender do caso, benéficos?

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Nesse mesmo folheto, sob o título “Alguns mitos relativos ao ecstasy”, escreve-se: “Há relatos de que o consumo do ecstasy esteja associado a depressão, apatia, prejuízos da memória e de atenção. Até o momento, não há dados conclusivos sobre a reversibilidade dessas possíveis conseqüências após um período de abstinência” Como assim? Quer dizer que não há dados sobre a “reversibilidade” de “possíveis conseqüências” que são classificadas de “mitos”? A doutora que conduz essa estrovenga já leu ao menos um dicionário?

Questão de classe
Em todo o site, a única coisa que não pode ser classificada de simpática ao ecstasy é uma linha — uma só — de aparente advertência: “O projeto Baladaboa não encoraja nem promove o uso de ECSTASY”. Como recomendava São Paulo, a questão não está nas intenções, mas nos atos. Como você interpreta isto, leitor: “Uma forma de diminuir os riscos de consumo de ecstasy é tomar metade da dose planejada, aguardar os efeitos (pode demorar até 1h) e então decidir se toma a outra metade”?

O projeto também mandou confeccionar camisetas, e alguns “famosos” da, digamos assim, cultura alternativa se deixaram fotografar com elas: a vereadora petista Soninha, a cantora Vanessa da Mata, o apresentador da MTV Casé Pesanha e mais um monte de gente de que nunca ouvi falar, mas que deve ser conhecida pelos jovens. Muitos deles têm aquele olhar muito significativo das pessoas sabidas…

ImposturaO Brasil caminha, junto com o mundo, para forçar a mão contra o consumo de cigarros — eu sou fumante. Em alguns casos, a campanha esbarra no preconceito. Mas a pressão tem sido eficiente. Tem caído o número de viciados. As advertências nos maços são inequívocas. O que está aqui à minha frente não deixa dúvidas: “Fumar causa câncer de boca e perda dos dentes”. O Ministério da Saúde decidiu fazer uma verdadeira guerra santa contra a propaganda de cerveja. Eu apóio — embora ache que o ministro Temporão não tem de se meter a fazer análise semiótica de propaganda. O alcoolismo e o tabagismo são problemas de saúde pública.

Mas é uma impostura tentar jogar no mesmo saco de gatos pardos o álcool, o tabaco, a cocaína, a maconha, o ecstasy… Começa que a questão ignora a legislação do país. A venda de uns é crime; a de outros não é. “Ora, mera hipocrisia”, diria o cretino fundamental. Não, não é. Como bem lembrou um leitor deste site, eu, no máximo, sou cliente da Souza Cruz; os que consomem as drogas ilícitas são clientes de Fernandinho Beira-Mar. O pior bêbado do Brasil não financia o crime organizado; o sujeito que consome cocaína numa festa — e vale também para o ecstasy — está botando uma arma na mão de uma criança.

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O Brasil é mesmo um país espetacular. Por aqui, como somos muito justos, chamamos todas as drogas pelo seu nome: drogas. E aí fazemos esforços para coibir drasticamente o consumo daquelas que não estão ligadas à cadeia do crime organizado e jogamos dinheiro público naquelas que estão. É um disparate completo.

Mas por que isso se dá, assim, com tamanha desfaçatez? Eu ousaria dizer que é pela mesma razão por que alguns vagabundos invadem a reitoria de uma universidade: trata-se de um problema de classe. Uma parte da elite brasileira, cinicamente “progressista”, acredita que o estado tem a obrigação de financiar as suas utopias e até mesmo os seus vícios. Vocês já viram operário consumindo ecastasy? Ele não tem dinheiro. A linguagem dos flyers é destinada aos imorais bacanas, que consumiram toddynho e sucrilho na infância e na adolescência.

Por que só o ecstasy? Por que não incentivar a prática responsável de outros crimes? Por que não financiá-los? A política brasileira só é uma porcaria porque boa parte de suas elites não vale o ar que respira. Se a Fapesp tiver um mínimo de vergonha na cara, suspende o patrocínio a isso que chamam “pesquisa”. Ou então se explica. Eu quero que a Fapesp dê para o trecho aqui citado uma interpretação alternativa. Eu relembro:

“Droga ‘leve’ ou ‘segura’ é um termo inadequado a qualquer droga. A interação droga-organismo é algo particular. Uma droga pode trazer prejuízos para uns, sendo inócua ou benéfica para outros”.

Eu quero saber em que circunstâncias o ecstasy e a cocaína podem ser benéficos ao organismo. Encham o saco da Fapesp. Tentem saber quanto essa brincadeira está custando. Eu vou tentar saber. Mas duvido que queiram me dizer.

PS: Ah, sim. Você também pode participar das baladas, tá? O calendário é este aqui:
dia 16/06 – 23h59 – sábado na noite Mothership da D-Edge – videoshow em plasma com o tema redução de danos – Dj Renato Lopes;
dia 24/06 – 00:00 – sábado no Vegas – Festa Baladaboa no Vegas com dj gringo + Hells club;
dia 26/06 – 00:00 – terça-feira – “Festa Tapa” na Pantera na Loca – Djs a confirmar + apresentação de esquete com o tema RD na Balada.

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Você sabe: “Tapa na Pantera” é um hit do YouTube que dispensa apresentações. Virou sinônimo de consumo de droga nos ambientes descolados. Certamente a USP e a Fapesp nos diriam que, no contexto acima, o sentido é outro… Não custa lembrar que foi suspensa a distribuição, na parada gay, de um folheto que ensinava como cheirar cocaína e picar a veia. Uma injustiça. No ano que vem, o negócio é pedir o apoio da USP e da Fapesp. Elas podem fornecer o “contexto” adequado.

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