Assine VEJA por R$2,00/semana
Reinaldo Azevedo Por Blog Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
Continua após publicidade

Autorias 1 – Quem escreveu o quê

O Google é uma ferramenta extraordinária. Mas é preciso tomar certos cuidados. Ele indexa tudo o que se escreve por aí — e só por isso é tão útil. Mas ele não distingue o certo do errado, o que continua a ser tarefa de quem pesquisa, do leitor. Ele nos dá acesso a informações preciosas, […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 22h30 - Publicado em 28 abr 2007, 18h23
  • Seguir materia Seguindo materia
  • O Google é uma ferramenta extraordinária. Mas é preciso tomar certos cuidados. Ele indexa tudo o que se escreve por aí — e só por isso é tão útil. Mas ele não distingue o certo do errado, o que continua a ser tarefa de quem pesquisa, do leitor. Ele nos dá acesso a informações preciosas, mas também nos induz a erros fabulosos. Por isso, o primeiro passo é saber se a fonte de uma informação é ou não confiável. E, mesmo entre as confiáveis, convém confrontar dados. Em suma, navegar é preciso…

    O episódio Diogo Mainardi-Franklin Martins, envolvendo o vazamento de uma sentença que ainda nem existia — um furo, com efeito, histórico (leia as explicações do juiz) — levou os leitores a enviar para cá um texto muito famoso sobre a covardia das pessoas comuns diante da escalada autoritária. Se vocês procurarem no arquivo, escrevi, no dia 30 de junho do ano passado, literalmente o seguinte (segue em azul):

    Publicidade

    “(…) constrangedor é constatar o silêncio das oposições até agora. Em vez de a escalada contra a imprensa livre merecer palavras de protesto, o que vemos são salamaleques dirigidos ao lulismo, como se estivéssemos mesmo diante de um pacificador. Reparem: não passa dia sem que uma autoridade do governo se dedique à tarefa de criminalizar a opinião dos que não rezam segundo a cartilha do “petistamente correto”. Objetivamente, a quem favorece o silêncio?

    Publicidade

    Há um textinho famoso sobre o nazismo, que merece ser lembrado. Nove entre dez citadores o atribuem a autor indevido: Maiakóvski, Bertolt Brecht ou o brasileiro Eduardo Alves da Costa (que escreveu, com efeito, coisa bem parecida):

    Um dia, vieram e levaram meu vizinho, que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho, que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei. No terceiro dia, vieram e levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei. No quarto dia, vieram e me levaram. Já não havia mais ninguém para reclamar.

    Seu autor é o teólogo protestante alemão Martin Niemöller (1892-1984). Ele teve uma trajetória curiosa. Chegou a flertar com o nazismo nos primeiros tempos. Quando já havia ficado claro quem era Hitler e o que queria, ainda ambicionou incutir-lhe um tanto de sensatez. Até que percebeu do que se tratava e migrou para a oposição aberta. Foi processado em 1938 e enviado para o campo de concentração de Dachau, onde permanece até o fim da guerra. Correto estava o Niemöller do texto acima, não o que sonhou com as mãos estendidas para o ditador facinoroso.

    Publicidade

    Certos setores da oposição estão fazendo de conta que a escalada petista contra a imprensa é notícia de uma guerra particular. Não é, não. Trata-se de mais uma batalha do PT contra as liberdades democráticas; trata-se de mais uma iniciativa para fazer com que o autoritarismo brote no seio da própria democracia, como já está se tornando comum no continente. Os oposicionistas deveriam levar em conta a história de Niemöller. Enquanto ainda há quem se arrisque a reclamar…

    Voltando a abril de 2007
    Não só setores da oposição flertam com o perigo. Também os há na imprensa. Cometeu-se uma ilegalidade? Vamos ver antes se gostamos ou não gostamos da pessoa que é alvo da truculência. Se a resposta for “não”, que se dane. Não é problema nosso. Eu também sou assim? Não sou, não. Dia desses, levei aqui um monte de pitos de leitores porque defendi o direito de José Dirceu pleitear a sua anistia. Sou contra ela. Mas o direito de reivindicar ele tem. Não posso ser acusado de ser simpático ao ex-ministro. Mas retomo o fio inicial.

    Publicidade
    Continua após a publicidade

    Muita gente postou o texto de Niemöller atribuindo-o a Maiakovski ou a Bertolt Brecht, e eu excluí os comentários, o que irritou alguns leitores. Só queria impedir que o erro prosperasse. Vizinho desse engano é um outro. Leia este texto:

    Assim como a criança
    humildemente afaga
    a imagem do herói,
    assim me aproximo de ti, Maiakóvski.
    Não importa o que me possa acontecer
    por andar ombro a ombro
    com um poeta soviético.
    Lendo teus versos,
    aprendi a ter coragem.

    Publicidade

    Tu sabes,
    conheces melhor do que eu
    a velha história.
    Na primeira noite eles se aproximam
    e roubam uma flor
    do nosso jardim.
    E não dizemos nada.
    Na segunda noite, já não se escondem:
    pisam as flores,
    matam nosso cão,
    e não dizemos nada.

    Até que um dia,
    o mais frágil deles
    entra sozinho em nossa casa,
    rouba-nos a luz, e,
    conhecendo nosso medo,
    arranca-nos a voz da garganta.
    E já não podemos dizer nada.
    Nos dias que correm
    a ninguém é dado
    repousar a cabeça
    alheia ao terror.
    Os humildes baixam a cerviz;
    e nós, que não temos pacto algum
    com os senhores do mundo,
    por temor nos calamos.
    No silêncio de me quarto
    a ousadia me afogueia as faces
    e eu fantasio um levante;
    mas manhã,
    diante do juiz,
    talvez meus lábios
    calem a verdade
    como um foco de germes
    capaz de me destruir.

    Publicidade

    Olho ao redor
    e o que vejo
    e acabo por repetir
    são mentiras.
    Mal sabe a criança dizer mãe
    e a propaganda lhe destrói a consciência.
    A mim, quase me arrastam
    pela gola do paletó
    à porta do templo
    e me pedem que aguarde
    até que a Democracia
    se digne aparecer no balcão.
    Mas eu sei,
    porque não estou amedrontado
    a ponto de cegar, que ela tem uma espada
    a lhe espetar as costelas
    e o riso que nos mostra
    é uma tênue cortina
    lançada sobre os arsenais.

    Continua após a publicidade

    Vamos ao campo
    e não os vemos ao nosso lado,
    no plantio.
    Mas ao tempo da colheita
    lá estão
    e acabam por nos roubar
    até o último grão de trigo.
    Dizem-nos que de nós emana o poder
    mas sempre o temos contra nós.
    Dizem-nos que é preciso
    defender nossos lares
    mas se nos rebelamos contra a opressão
    é sobre nós que marcham os soldados.

    E por temor eu me calo,
    por temor aceito a condição
    de falso democrata
    e rotulo meus gestos
    com a palavra liberdade,
    procurando, num sorriso,
    esconder minha dor
    diante de meus superiores.
    Mas dentro de mim,
    com a potência de um milhão de vozes,
    o coração grita – MENTIRA!

    A segunda estrofe é conhecidíssima e muito citada. O nome do poema é No caminho, com Maiakovski, e ele não é do poeta russo, mas do fluminense Eduardo Alves da Costa, autor de livro homônimo. Chegaram comentários aos montes: “Como disse Maiakovski, na primeira noite, eles roubam uma flor…” A confusão é compreensível: parece-me evidente que o texto de Costa, que cita o nome de Maiakovski, segue as pegadas do de Niemöller. Aí a confusão de instalou.

    Mesmo nos tempos pré-internet, a questão da autoria era capítulo complexo. A gente aprende no colégio — ou aprendia — que a frase “Viver é muito perigoso” é de Riobaldo, a jagunço com pinta de Spinoza de Guimarães Rosa. O ministro Franklin Martins adora citar a frase. Só espero que ele não se refira a perigos que os outros correm. Mas adiante. A sacada é de Virgínia Woolf, que escreveu isso pelo menos 31 anos antes de ir parar na boca da personagem de Grande Sertão Veredas (1956). Está aqui, ó, em Mrs. Dalloway, que é de 1925:

    Não, agora nunca mais diria, de ninguém neste mundo, que eram isto ou aquilo. Sentia-se muito jovem; e, ao mesmo tempo, indizivelmente velha. Passava como uma navalha através de tudo; e ao mesmo tempo ficava de fora, olhando. Tinha a perpétua sensação, enquanto olhava os carros, de estar fora, longe e sozinha no meio do mar; sempre sentira que era muito, muito perigoso viver, por um só dia que fosse. (…) Oh! Se pudesse viver de novo! Pensou, ao pisar a rua,como não havia de ser diferente! (…)

    Ainda sobre autorias, leia o texto acima.

    Publicidade
    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Domine o fato. Confie na fonte.

    10 grandes marcas em uma única assinatura digital

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo
    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de R$ 2,00/semana*

    ou
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de R$ 39,90/mês

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.