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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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A DOENÇA SEM METÁFORAS

Publiquei ontem um post sobre a doença da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil). Até agora, aprovei 285 comentários e devo ter jogado outro tanto fora. Ou aproveitavam a moléstia para fazer proselitismo político ou se referiam ao caso de modo que considero inaceitável. Nessas horas, sempre desconfio: não são leitores habituais do blog, não. É […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 17h45 - Publicado em 26 abr 2009, 07h53
Publiquei ontem um post sobre a doença da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil). Até agora, aprovei 285 comentários e devo ter jogado outro tanto fora. Ou aproveitavam a moléstia para fazer proselitismo político ou se referiam ao caso de modo que considero inaceitável. Nessas horas, sempre desconfio: não são leitores habituais do blog, não. É gente que vem lá do submundo do subjornalismo para tentar borrar a área de comentários, fazendo um esforço para caracterizar os leitores desta página como brucutus que não sabem a diferença entre dramas privados e questões públicas. E agem assim precisamente porque eles não distinguem uma coisa de outra. É preciso que arrastem para a lama aqueles que consideram adversários para justificar seu próprio vício de se espojar no lodo. Fizeram o mesmo no caso do ministro pop Joaquim Barbosa: abusaram das ofensas na esperança de que, publicadas por descuido, ficasse caracterizado o “racismo” do blog. Aviso logo: a tática é pueril. Essa canalha é pior no disfarce do que seus mestres. Adiante.

Nem todo mundo leu o texto que escrevi ontem em todas as implicações. Afirmo lá: “Doença não é categoria de pensamento. Doença não serve para distinguir pessoas, nem para o mal nem para o bem.” E também disse que farei a denúncia política caso note uma exploração vigarista do mal que acomete a ministra — e pouco vai importar de onde parta tal exploração: de adversários ou aliados. E isso quer dizer que reconheço, por óbvia, a possibilidade de que o próprio petismo possa tentar fazer um uso “virtuoso” do fato. Alguns primeiros sinais nesse sentido já podem ter sido dados, e cumpre que se trate a coisa com atenção. A minha ou a sua doenças, leitor, não têm importância política, é claro. A de Dilma, como se viu, tem. Não concederíamos uma entrevista coletiva para falar de um mal que nos afligisse. Dilma concedeu. E isso quer dizer que cumpre ao analista político pensar a questão em dois cortes temporais: o anúncio propriamente dito e seus desdobramentos.

O anúncio e Dilma como exemploO fato de eu ter considerado digna a admissão serena da doença e de ter alertado que vetaria comentários que achasse impróprios não quer dizer que ignore o óbvio aparato de comunicação mobilizado para dar conta da informação — que já tinha vazado para a imprensa. Ontem, os sites estampavam a foto de Dilma ao lado do ministro Franklin Martins (Comunicação Social), uma espécie de gerente da propaganda política do governo Lula. O anúncio da doença não escapou ao rigor profissional. Outro figura do ministério, qualquer que fosse, não teria merecido tal desvelo. A ministra não só é a gerente da mais formidável peça de ficção da história republicana — o PAC — como é a candidata de Lula à sua sucessão. Assim, doença, presente e futuro políticos se misturam.

Mais: os aspectos propriamente privados da moléstia foram mitigados para ceder lugar ao apelo ao coletivo. Dilma e Franklin não convocaram os repórteres para que a ministra falasse de suas dificuldades e dos desafios pessoais que tem pela frente. A mensagem não poderia ser mais clara:
“Obviamente o tratamento de quimioterapia é sempre algo muito desagradável. Mas assim como tantas mulheres e homens brasileiros que enfrentam esse desafio, […] tenho certeza também que vou ter um processo de superação dessa doença. Aliás, nós, brasileiros, temos esse hábito de sermos capazes de enfrentar obstáculos, de transpô-los e de sair inteiros do lado de lá. Acho que essa é a questão que está na pauta hoje para mim: enfrentar essa doença, que os médicos garantem que foi extirpada, e sair mais forte do lado lá”.

Como se vê, Dilma fala de si, mas também fala de todos os brasileiros. Nesse hora, apresenta-se como um exemplo e fala como quem está investida de uma representação — coisa que, a rigor, é falsa porque ministros não representam o povo, mas o presidente, ele, sim, eleito. Dilma está lá por vontade de Lula. Ao se apresentar como uma espécie de timoneira na superação de obstáculos, alude, é óbvio, ao futuro: a disputa eleitoral. É inútil negar que, a depender dos desdobramentos do caso, está lançada a semente publicitária da mulher que vence todas as dificuldades, inclusive aquela que mais apavora boa parte da humanidade — talvez a maior parte: o câncer. Algumas das mensagens que descartei já apelavam para uma espécie de estúpido ufanismo, sustentando que a ministra vai vencer a doença — e eu torço para que supere mesmo — porque é forte, tem coragem, é determinada etc. Sua própria fala dá margem, observe-se, a esse tipo de manifestação.

Os desdobramentos
A doença pegou de surpresa todo o alto escalão do governo. E tudo indica que Lula ficou sabendo do caso bem depois do que gostaria. É claro que há implicações políticas importantes no episódio. Não custa lembrar que, além da idade avançada, uma das fragilidades de John McCain na disputa eleitoral dos EUA era ter tido câncer. O esforço do aparato mediático-democrata para desconstruir Sarah Palin tinha um alcance claro: vice na chapa, ela poderia ser presidente do país. Sim, as circunstâncias eram bem diferentes — boa parte da imprensa influente, no Brasil, é governista, por exemplo. McCain não conseguiu transformar suas fragilidades em força. A metafísica eleitoral americana apontava para a remissão de outro tipo de “oprimido” — sem contar que o governo Bush era espetacularmente impopular; não é o caso do Apedeuta.

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Por aqui, há uma chance nada desprezível de se transformar o que é obviamente uma fragilidade num ativo político-eleitoral. Como já disse, a semente foi lançada na coletiva da tarde de ontem. Dilma se saindo bem no tratamento — o que é o mais provável segundo os médicos —, talvez o Planalto se preocupe menos com a reação do eleitorado brasileiro — que também anda sensível às histórias de superação pessoal como exemplos morais de superação coletiva — do que com a reação do PT. Numa análise fria, é evidente que o candidato a vice numa eventual chapa encabeçada por Dilma Rousseff vê aumentada a sua importância. Não dá para negar: para o PT, o vice do PMDB de uma Dilma pré-doença não é o mesmo vice de uma Dilma pós-doença. Nem a própria ministra nega o fato de que, para o seu partido, diminuiu a área de segurança e aumentou a de risco.

O andamento
Não acredito que o PT pense numa substituição de candidatura, até porque seria uma atitude antipática. Mais: a partir deste domingo, Dilma passa a ser objeto de uma dupla abordagem: 1) a comandante do PAC e 2) a mulher que enfrenta o câncer. Certo como a luz do dia, sua popularidade vai crescer num ritmo superior ao esperado no cenário pré-doença. O apelo é forte o bastante, como vocês verão. E isso vai reforçar a sua candidatura. Mas, para tanto, será preciso que sintomas da doença e eventuais efeitos colaterais do tratamento não a fragilizem. Porque aí se entraria naquela zona perigosa (para a candidatura) em que o crescimento do apoio popular se fará acompanhar do risco para os interesses que sempre se agrupam em torno de uma candidatura.

Não acho confortável tratar de um tema como esse porque sempre resta a suspeita de que se está sendo frio demais, racional demais, impiedoso até. O fato é que a coletiva da tarde evidenciou que estamos diante, sim, de um desafio pessoal, mas também de uma equação que é política.

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