A degradação institucional como um saber que pode ser transmitido às gerações futuras
O governo mobilizou a maquina para contestar José Serra, candidato do PSDB à Presidência da República. A contestação é imediatamente encampada pela equipe de Dilma Rousseff, e, assim, a máquina pública é posta, uma vez mais, a serviço da candidata oficial, numa transgressão evidente à lei. O governo alega que os dados com os quais […]
O governo mobilizou a maquina para contestar José Serra, candidato do PSDB à Presidência da República. A contestação é imediatamente encampada pela equipe de Dilma Rousseff, e, assim, a máquina pública é posta, uma vez mais, a serviço da candidata oficial, numa transgressão evidente à lei. O governo alega que os dados com os quais o tucano trabalha não estão certos. Sei… Alguém poderia indagar: “Mas que mal há nisso?” Não haveria nenhum se agisse com a mesma presteza para contestar os “erros” que Dilma vai disparando por onde passa. Nesse caso, não há correção nenhuma! Mais do que isso: os ministérios, a exemplo dos da Educação, Trabalho e Cidades, já disseram que não pretendem se pronunciar sobre as inverdades que a candidata oficial lança ao ar.
Dilma disse, por exemplo, no debate da Bandeirantes, que o salário mínimo teve um aumento real de 74% nos dois mandatos de Lula. É mentira! Foi de pouco mais de 50%. Imaginem o que não diria o valente Carlos Lupi, ministro do Trabalho, se o candidato adversário dissesse uma mentira relacionada à sua pasta. Não hesitaria em protestar com veemência, emitir nota oficial, essas coisas.
Se o governo quer apontar o que considera “erros” no discurso tucano, que o faça. Mas por que só no dele? Governo não é partido. O Estado não pertence a uma agremiação política. Nas democracias, as maiorias elegem o governo, mas eles passam a governar para todos — também para a oposição. Pergunto: não está caracterizada, dado o contradte, dada a diferença de tratamento, uma forma de abuso de poder?
Na prática, não há mais governo, mas uma máquina empenhada em eleger uma candidata. É evidente que eu não esperava que os petistas e seus aliados ficassem criando embaraços para Dilma, mas a desavergonhada mobilização da máquina para combater o candidato da oposição é mais um desserviço à democracia prestado pelo PT, com aquele seu costumeiro desassombro.
Na política, os fatos vão sendo cumulativos e vão gerando um saber e um modo de fazer as coisas. O PT tem transgredido de maneira sistemática, metódica, os mais elementares princípios que regem o estado de direito: mete-se com dossiês; manipula dados seqüestrados de arquivos sigilosos, sob a proteção do Estado; mobiliza a máquina para defender sua candidata e atacar o adversário; ignora a lei eleitoral e ainda faz chacota com a própria transgressão.
Estabelece-se, assim, um novo — e bem mais baixo — patamar para a disputa política. Se o PT colher resultados positivos dessas suas investidas, torna-se patente, então, que seus métodos, ainda que detestáveis, são eficazes — e se estará dando uma “lição” tanto a seus pares como a seus adversários. Trata-se de um processo de depredação da política e da democracia. Nessas horas, surge a expressão mágica: “Reforma política!” Quem a faria? Aqueles mesmos beneficiados por toda sorte de ilegalidades? Uma constituinte eleita com a finalidade de fazer essa reforma—- muito mais sujeita, pois, a ingerências da “máquina”?
Então não há saída? A “saída”, ainda que pareça quase etéreo o que vou dizer, é a sociedade se indignar por meio das vozes que a representam na esfera institucional e na própria comunidade. Pergunto-me onde está a OAB, por exemplo, que assiste, inerme, à contínua degradação dos marcos do estado de direito. O que anda a fazer o Ministério Público, tão saliente no governo FHC? Onde estão aqueles juristas que, até outro dia, brandiam orgulhosos a Constituição?
Se imaginem que tal degradação, cedo ou tarde, não os alcança, estão, evidentemente, enganados. Lula vai encerrar seu mandato com os sigilos fiscal, telefônico e bancário dos brasileiros não valendo um tostão institucional furado; com o TCU alijado do acompanhamento de boa parte dos gastos públicos; com o estado posto, sem disfarce, a serviço de um partido; com a imprensa sob o assédio dos que buscam meios oblíquos de censurá-la e de intimidar as vozes que considera incômodas; sob a denúncia — feita por pessoas que participaram do esquema — de que bunkers para perseguir adversários foram montados em áreas controladas pelo governo.
Aí o petralha grita: “Mas a população aprova o governo dele, rá, rá, rá, huhuhu, kkkk, oinc, oinc” (e outras onomatopéias a que recorrem para reproduzir a própria satisfação). E daí? Outros, muito piores do que ele, atingiram, na história, níveis de satisfação das massas até superiores. Isso só nos fala da urgência de recuperar as garantias constitucionais que estão sendo aviltadas.
Que muita gente não faça o seu trabalho, vá lá. Só não esperem que eu não faça o meu. Com a alegria costumeira (*).
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(*) Descobri que o meu bom humor os irrita quase mais do que as minhas críticas. Lamento! Mas entendo: quando estavam fora do poder, falavam a linguagem do ódio contra os “vencedores”. Agora no poder, falam a mesma linguagem do “ódio” contra os “perdedores”. O ódio é o alimento de sua alma. O da minha, sempre que possível, é a alegria.