Os petistas e a rede petralha na Internet tentam reagir ao livro “Assassinato de Reputações – Um Crime de Estado” (Editora Topbooks), que traz o longo depoimento do delegado Romeu Tuma Junior ao jornalista Claudio Tognolli. A ordem que emana da cúpula do partido e chega à Al Qaeda Eletrônica é desmoralizar o denunciante, lembrando que ele foi acusado de envolvimento com a máfia chinesa em São Paulo. Já chego lá. Há duas coisas no livro que incomodam os petistas: uma tem um peso, digamos, moral e pode contribuir para jogar ainda mais luzes nas origens do PT. A outra tem a ver com o presente e revela o modo como o PT entende o exercício do poder.
No livro, Tuma Junior diz ter a convicção de que Luiz Inácio Lula da Silva foi um informante de Romeu Tuma, então chefe do Dops, lá no fim dos anos 1970, quando apenas líder sindical. Não é a primeira vez que a, como vamos chamar?, intimidade de petista com o regime militar é posta em debate. O delegado sugere que a colaboração tenha deixado rastro e dá uma dica: que se procurem as contribuições de um certo “Barba” com os órgãos de repressão. A esta altura, ninguém com um mínimo de honestidade intelectual pode ignorar que parte considerável do establishment militar via com bons olhos a emergência política do tal “sindicalista” porque avaliava — e com razão neste particular — que sua ascensão enfraqueceria os líderes pré-64 que voltaram ao Brasil com a aprovação da Lei da Anistia. Nesse sentido, a escrita se cumpriu. O petismo exilou Leonel Brizola no Rio de Janeiro e Miguel Arraes em Pernambuco. É inegável que Lula cumpriu o desígnio de quebrar as pernas dos antigos líderes populistas, que encontraram um novo Brasil ao voltar ao país.
O Lula “colaboracionista”, pois, é um dado da própria equação. Ainda que seus propósitos fossem os mais, digamos, puros — criar um partido só de trabalhadores —, a verdade inegável é que sua liderança rompia duas pretensões de unidade: a) a unidade da oposição defendida pelo MDB; b) a unidade das esquerdas, que Brizola tinha a ambição de liderar. E aquilo era música para os estrategistas da transição, especialmente o general Golbery do Couto e Silva. Eu era um fedelho, militante da Convergência Socialista, e me lembro bem como a extrema esquerda lia, então, a questão:
a: Lula era considerado um nosso aliado contra a “frente burguesa” que pretendia se apresentar como “falsa alternativa” (era o que achávamos então) ao regime;
b: Lula era considerado um nosso aliado contra a “falsa esquerda”, que considerávamos não marxista (e era mesmo!), que vinha do exílio com pretensões de liderar as massas, o que repudiávamos;
c: Lula era considerado um nosso aliado APENAS ESTRATÉGICO, já que julgávamos que ele não passava de um reformista, com sérios “desvios de direita”, interessado apenas em reformar o capitalismo;
d: a extrema esquerda entendia que fortalecer Lula era importante, para que pudesse ser descartado mais tarde.
Bem, meninos, é desnecessário dizer que Lula jantou os militares, o MDB, Brizola, Arraes e a extrema esquerda… Reproduziu na política a sua carreira no sindicato, conforme demonstrou José Nêumanne Pinto no livro “O que sei de Lula”. Também ali se acercou do poder pelas beiradas, fez acordos com os pragmáticos, tomou o poder e deu um pé no traseiro das velhas lideranças.
Foi além
Tuma Junior, na entrevista concedida à VEJA na edição desta semana e, consta, no livro (ainda não li), sugere muito mais do que uma colaboração mediada pela história. Ele fala é de outra coisa: é de ação coordenada com o regime, combinada mesmo. Cumpre investigar, não como quem procura um crime, mas como quem busca a verdade. Eu já ouvi de um ex-alto executivo da Villares e de um ex-membro do então chamado “Grupo 14”, da Fiesp, que o então grande sindicalista e herói das massas e da imprensa negociava com os patrões até as propostas que seriam recusadas. Fazia parte do show.
Bem, o Brasil tem uma “Comissão da Verdade”, não é mesmo? Que tal chamar o “companheiro” para depor — depois, claro, de uma minuciosa investigação dos arquivos?
De volta ao presente
Se Lula foi ou não uma espécie de dedo-duro a serviço da ditadura é matéria de interesse histórico. A questão pode doer na reputação do petismo, mas não se tem muito além disso. O outro pilar do livro de Tuma Júnior é, sim, muito grave. O delegado diz estar disposto a demonstrar que, na Secretaria Nacional da Justiça, foi instado a dar curso a dossiês fabricados pelo petismo contra seus adversários. E cita uma penca de casos (leia post). Mais: assim como perseguia adversários, protegia o PT ao não dar curso a investigações que poderiam comprometer o partido.
A Al Qaeda eletrônica, a rede petralha, já começou o trabalho de desqualificação do denunciante. Alguns bobinhos enviaram mensagens para cá apontando que eu mesmo publiquei posts sobre a demissão de delegado, por conta da sua suposta ligação com a tal máfia chinesa… Sim, publiquei. E daí? Pra começo de conversa, foi Lula quem decidiu nomear Tuma Junior para a Secretaria Nacional de Justiça. Não fui eu, não foram os opositores do PT, não foram os inimigos do partido. Justamente porque não tenho nenhuma vinculação com o delegado, publico o que penso ser relevante. Antes e agora.
E me parece relevante que alguém escolhido pelo próprio PT para um cargo tão importante venha a público revelar as muitas vezes em que foi instado a desrespeitar a lei para atender a uma demanda política — coisa que ele diz não ter feito. Quer dizer que Tuma Junior é um desclassificado, alguém a ser ignorado, mas era bom o bastante para permanecer três anos à frente da Secretaria Nacional de Justiça?
Não há como: alguém com nome e endereço, que esteve na cúpula do Ministério da Justiça, acusa uma ação coordenada de um partido com órgãos do estado para perseguir adversários políticos. Nos depoimentos dados ao Senado e à Câmara, Jose Eduardo Cardozo afirmou que seu papel é encaminhar as denúncias que recebe, mesmo as anônimas, à Polícia Federal. Pois bem: a acusação de agora anônima não é. Tem assinatura. E Tuma Junior já disse que quer falar.
E nesse caso? O que fará o ministro da Justiça? Cumpre lembrar que, na lista dos dossiês que os petistas queriam pôr para circular, está justamente a suposta formação de cartel para a compra de trens em São Paulo. Se papeluchos sem assinatura, supostamente deixados na casa de Cardozo por um deputado do PT, bastam para que a PF passe a fazer uma investigação, como agirá o ministro com acusações que têm assinatura?
Os petistas acham que Tuma Junior não é de confiança? Não é da confiança de quem, cara-pálida? De Lula e da cúpula do Ministério da Justiça, pelo visto, ele era. Tanto que foi nomeado para o cargo de secretário nacional da Justiça. Agora, ele decidiu contar o que diz ter visto, ouvido e vivido. E afirma ter como provar as acusações que faz. O mínimo que se pode esperar é que seja convocado para depor na Câmara.
Acusando a imprensa de não dar a devida atenção à questão do cartel de trens — é mentira, como se sabe —, afirmou Gilberto Carvalho: “Tirando o (jornal) O Estado de S. Paulo, não se pergunta pelo crime, se recrimina o acusador”. Muito bem: por que a rede petralha não segue o conselho de Carvalho? Ora, pare de ficar recriminando o acusador e passe a se preocupar com os crimes que ele aponta. Tuma Junior, diga-se, mira também no próprio Carvalho, que lhe teria confessado que havia mesmo um esquema de desvio de dinheiro em Santo André, questão que estaria na raiz do assassinato de Celso Daniel. O ministro diz que vai processar o delegado.
Tuma Junior não era só um datilógrafo do Ministério da Justiça que agora diz ter ouvido coisas. Não! Ele ocupava um cargo central na pasta e afirma ser testemunha da forma como atua a máquina petista de moer a reputação dos adversários, seguindo aquela que, há muito tempo, digo ser a máxima do partido: “Aos amigos, tudo, menos a lei; aos inimigos, nada, nem a lei”.