Historicamente, toda discussão que envolve o Plano Diretor da cidade de São Paulo provoca muito barulho. Aconteceu novamente agora, por ocasião da revisão dessa lei que orienta o crescimento e desenvolvimento urbano de todo o município. O projeto aprovado na semana passada tem vários pontos controversos, que movimentaram a sociedade com mais de 50 audiências públicas e participação direta de aproximadamente 2 500 pessoas no debate. O resultado pode ser lido na íntegra na página do Legislativo Municipal. As discussões ocorridas em terras paulistanas servem também de objeto de reflexão para as demais metrópoles brasileiras.
Digno de elogios, o princípio da iniciativa tem como objetivo tornar a cidade mais adensada, favorecendo o crescimento dela nas redondezas dos eixos de transporte, de forma a tentar evitar deslocamentos gigantescos que produzem congestionamentos igualmente gigantescos, o que causa prejuízos enormes à economia e à qualidade de vida dos paulistanos. A política de adensamento se materializou no Plano Diretor em medidas como revisões das delimitações no número de vagas de garagem e no tamanho dos prédios nas imediações de estações de transporte público. A discussão que se prolonga até hoje é se a dose foi suficientemente equilibrada.
Do ponto de vista das empresas do mercado imobiliário, as novas diretrizes podem ser festejadas. Os prédios altos foram a bola da vez da revisão do projeto — e também o maior alvo de críticas. A maior delas foi em função da ampliação do coeficiente de construção em bairros mais residenciais, que passou de duas vezes a área do terreno para três vezes mais. Esse número multiplicado pela área do imóvel resulta no total de metros quadrados que um terreno pode receber. Tome-se como exemplo um terreno de 100 metros quadrados, com um coeficiente 2. Pela regra antiga, ele podia abrigar uma construção de 200 metros quadrados. Já com o coeficiente 3, a liberação é agora de até 300 metros quadrados.
O conceito que constava no último Plano Diretor, a “cota-parte máxima”, também sofreu alteração. Subiu de 20 para 30 metros quadrados. Esse conceito define a quantidade de apartamentos que o prédio pode ter, a partir do tamanho do terreno no qual será construído. Se um prédio tem dez andares e quatro apartamentos por pavimento, totaliza 40 unidades. Assim, a cota-parte seria a área do terreno dividida por 40.
Além das inúmeras possibilidades para o mercado imobiliário com edifícios maiores e, consequentemente, com mais unidades e mais possibilidades de áreas para construir, tudo indica que os preços dos metros quadrados irão subir ainda mais, em função da valorização do entorno das construções. Outra razão para as incorporadoras celebrarem é a alteração de um mecanismo muito usado para construir edifícios com metragens acima dos limites do terreno, sem pagar à prefeitura, quando se utiliza o potencial construtivo de outro terreno que não será utilizado. No projeto atual, esse mecanismo vislumbra situações em que o potencial de um terreno poderá ser vendido para outra construtora, na chamada Transferência do Direito de Construir (TDC).
Também foi ampliado de 600 para 700 metros a distância do eixo de transporte para construção de prédios mais altos. Apesar da pouca diferença, essa mudança pode ter forte impacto em lugares que antes eram de preservação. Seguindo essa mesma lógica, a permissão para construir prédios altos próximos a pontos de ônibus também aumentou de 300 para 400 metros de distância. Permitir prédios maiores, com mais unidades residenciais e mais vagas de garagem tem um reflexo grande em outras questões, a exemplo no trânsito de bairros que, com suas vias mais estreitas, não estão preparados para receberem mais carros.
Segundo os críticos do projeto, essa verticalização acabou privilegiando o uso do carro mesmo nos eixos de transporte, ou seja, foi contra o princípio que norteou o nascimento desse projeto. Valorizou os automóveis e desvalorizou o meio ambiente, que terá menos árvores e mais poluição, uma mudança nos cenários dos tradicionais bairros residenciais, em que as casas darão espaço para prédios. Inclusive, muito desses bairros, em função dessa verticalização, deverão perder bastante a sua identidade, já que a ampliação para construção de prédios altos alcançam até construções tombadas, alterando bastante a vizinhança.
Embora cheio de boas intenções, é quase um consenso entre especialistas que faltou à revisão do Plano Diretor equilibrar melhor os interesses e necessidades da população paulistana. Agora, a lei deve seguir para a sanção do prefeito Ricardo Nunes. Certamente, será tema de debate nas eleições municipais do próximo ano.