Os bastidores da queda do comandante do Exército, segundo José Múcio
O ministro da Defesa contou que Lula telefonou duas vezes para cobrar providências antes da troca do chefe da Força Armada
O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, concedeu uma entrevista nesta terça-feira à GloboNews e revelou detalhes dos bastidores da queda do comandante do Exército, o general Júlio César Arruda, substituído no último sábado pelo também general Tomás Paiva. O enredo narrado pelo ministro inclui duas ligações com cobranças do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que havia perdido a confiança no militar, e o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, Mauro Cid.
Múcio contou que, quando levou os escolhidos para comandar o Exército, a Marinha e a Aeronáutica para conhecer Lula, o presidente teve uma “conversa ótima” com os militares e lembrou dos investimentos feitos nas Forças Armadas nos seus dois primeiros mandatos e prometeu fortalecê-la a partir deste ano. O ministro disse que a ideia era criar mecanismos para garantir os investimentos e gerar empregos a curto prazo, por meio de fundos externos ou parcerias público-privadas, por exemplo.
“Pois bem. Vieram aqueles outros episódios, a presença das pessoas defronte dos quarteis, o dia 8 de janeiro, que é uma data que ninguém vai conseguir esquecer. E, na primeira reunião, o presidente pediu que cada um apresentasse um relatório de como estava a sua Força, do que precisava, onde seriam os melhores investimentos, enfim, que dessem ideias para ele fazer um bom trabalho outra vez junto às Forças Armadas”, afirmou.
O ministro então disse ter achado que “nós precisávamos virar a página desse 8 de janeiro”, porque qualquer assunto cairia nos ataques golpistas promovidos por bolsonaristas. Para a reunião da sexta-feira passado, Lula havia convidado o presidente da Fiesp, Josué Gomes, para levar alguns representantes da indústria para apresentar ideias de investimento nas Forças Armadas aos comandantes militares e a ele.
“Foi uma conversa ótima, mas eu não senti o presidente motivado. A coisa da falta de confiança depois daquele episódio ainda não havia conversa que fizesse ele se entusiasmar […] Eu senti que nós não estávamos conseguindo virar a página”, declarou.
Na ocasião, Lula determinou que Múcio definisse junto ao vice-presidente Geraldo Alckmin, ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, para elaborar uma estratégia conjunta para acelerar a questão da indústria de defesa.
Naquela sexta-feira, o portal Metrópoles divulgou uma reportagem sobre as suspeitas de existência de uma espécie de caixa 2 com o uso do cartão corporativo de Jair Bolsonaro dentro do Palácio do Planalto, que teria a participação direta do tenente-coronel do Exército Mauro Cesar Barbosa Cid, ajudante de ordens do ex-presidente. O militar foi indicado em maio do ano passado para chefiar o 1º Batalhão de Ações e Comandos do Exército, em Goiânia.
“De noite, surgiram aquelas suspeitas do negócio do coronel Cid e eu recebi um telefonema do presidente indagando o que é que ia acontecer”, relatou Múcio, que prometeu ao chefe se inteirar dos fatos. “Ele [Lula] disse: ‘mas você veja isso, eu quero saber como é que isso vai acontecer'”, complementou.
Questionado se Lula pediu a demissão de Cid, Múcio afirmou que o presidente perguntou “o que vocês vão fazer com isso”. O ministro então disse que “estava com dificuldade de tratar esse assunto no comando do Exército”.
“Muita dificuldade. Há um espírito de corpo muito forte. Há um ambiente político também muito forte, né?”, comentou.
Ele então contou que Lula telefonou outra vez às 6h40 da manhã de sábado, antes de viajar para Roraima.
“Ele disse: ‘olha, o que é que você vai fazer com esse negócio? Eu quero que você resolva. Vamos ver como é que você vai resolver isso’. Bom, eu senti que aquilo era uma senha para que se resolvesse. [Lula disse:] ‘E quero que você me dê uma notícia de como você vai resolver isso’. Eu disse: ‘fica descansado que eu vou resolver isso para o senhor’. Foi quando nós fizemos a mudança de comando”, declarou.
Naquele momento, Múcio disse ter sentido que não tinha como recuperar a confiança em Arruda, que “não tinha assunto que virasse a página”.
“Não era só do Cid. Outras coisas, a questão dos acampamentos, como se comportou, de pronto, no dia 8. Foi uma série de coisinhas que foram acontecendo. Eu gosto muito do general Arruda, de quem me tornei amigo, lamentei bastante, mas tem certas decisões que a gente tem que tomar. E tenho absoluta certeza que foi a decisão acertada, foi o que nós fizemos, o presidente ficou satisfeito, e nós estamos aí começando uma nova etapa”, concluiu.