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Índio quer apito

O povo Gavião Kyikatejê, grupo silvícola do interior do Pará, usa o futebol como ferramenta para diminuir o isolamento do restante da sociedade

Por Alexandre Senechal Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 18 abr 2018, 18h27 - Publicado em 13 abr 2018, 06h00
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  • (Arte/VEJA)

    A população indígena do Brasil representa menos de 1% do total de habitantes do país: de acordo com o mais recente censo realizado pelo IBGE, de 2010, são cerca de 897 000 índios autodeclarados, divididos em 305 etnias e 274 idiomas. A maior parte deles (37%) vive na Região Norte, onde a Expedição Vozes do Futebol, de VEJA, que tem o apoio da Mercedes-Benz, fez sua quarta parada. A poucos quilômetros de Marabá, no Pará, está a terra indígena Mãe Maria, área demarcada na década de 80 e pertencente a três povos nativos. Um deles é o grupo dos Kyikatejê, que na língua jê significa “povo do rio acima”. Dada a proximidade da cidade, a reserva Mãe Maria é cortada por três obras construídas por kupens, denominação para aqueles que não são índios. Estão ali as torres da Eletronorte que transmitem energia da Usina de Tucuruí; os 18 quilômetros da Estrada de Ferro Carajás; e os 20 quilômetros da BR-222, que liga Marabá a Bom Jesus do Tocantins (ape­sar do nome, também no Pará). Ao contrário do que sugere o senso comum, os índios não se opõem ao contato com a sociedade, desde que seja respeitoso. “Meu povo tinha vontade de conquistar espaço em uma área profissional”, diz Pepkrakte Jakukrekaperi, o Zeca Gavião. “Queriam ser professores, advogados. E por que não esportistas?”

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    E por que não jogadores de futebol, regiamente pagos? Zeca é cacique desde 2012 da aldeia Gavião Kyikatejê, uma das catorze existentes dentro da reserva Mãe Maria. Ele próprio, no passado, cogitou a carreira de futebolista, mas não seguiu em frente. Foi por sua iniciativa que a equipe formada exclusivamente por índios, antes amadora, buscou a profissionalização, em 2009. “É uma ferramenta de inclusão social. O futebol, que já parou guerras, fortalece todo mundo”, diz ele. Presidente do Gavião Kyikatejê Futebol Clube desde sua fundação, Zeca percebeu que era preciso intensificar o intercâmbio com o homem branco para que o time prosperasse. Esse casamento, porém, nem sempre é harmonioso — e muitas vezes os índios acabam se refugiando em sua cultura para driblar problemas que nascem da aproximação, alegando imunidade. “A malícia no futebol não é compatível com os valores indígenas”, diz. O Gavião responde na Justiça a uma ação de 600 000 reais, resultado de um processo trabalhista movido por um ex­-atleta. “Como vamos pagar?”, pergunta Zeca. A Justiça não quer saber — se os índios podem participar de federações profissionais, têm de respeitar as regras seguidas por todos.

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    Ídolo – O atacante Paulo Sompré, conhecido como Arú, ficou famoso por pintar o corpo antes das partidas (Jonne Roriz/VEJA)

    Hoje, o elenco só tem um jogador que não é índio: o meia Vando. Fora ele, o preparador físico também não veio da aldeia. “O Zeca queria que eu adaptasse meu trabalho à cultura indígena. Por isso passei a adotar práticas locais nos treinos”, diz João da Silva Alves, o Primo, que cuida do condicionamento dos jogadores há nove anos. Uma das ideias foi a incorporação da corrida de tora, ritual no qual os índios percorrem a mata com um pedaço de tronco que pode pesar até 100 quilos apoiado nas costas. Primo foi o responsável pela adoção de outras modalidades, como o vôlei e o handebol, nas aulas de educação física que ministra na aldeia a 250 meninos e meninas que estudam na escola criada dentro da comunidade indígena.

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    O grande nome do Gavião sempre foi o camisa 10, Paulo Aritana Sompré, o Arú Sompré. Goleador nato, o atacante ficou conhecido por entrar em campo de cocar na cabeça e com o corpo pintado de vermelho e preto. VEJA esteve com Arú em meados de março. “Antigamente, usávamos as pinturas em batalhas. Hoje, elas representam uma comemoração. Revelam nossa alegria de pertencer ao cenário brasileiro, apesar da discriminação”, disse. No dia seguinte à entrevista, numa viagem de Marabá à aldeia, Arú morreu em um acidente de carro, aos 31 anos. Apesar da tragédia, o mandachuva Zeca Gavião continua resiliente. Mesmo sem seu principal jogador, ele diz que disputará a segunda divisão do Campeonato Paraense, com início previsto para o segundo semestre. Quer fazer ecoar o legado e as palavras de seu guerreiro, Arú: “O futebol, para o indígena, é uma forma de dizer a toda a população que podemos ser iguais aos outros, sem isolamento”. Índio quer apito e bola.

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    Com produção de Allan Brito (Última Divisão)

    Publicado em VEJA de 18 de abril de 2018, edição nº 2578

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