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Ai de ti, madame Grès

Volto à moda. Dessa vez para lembrar de nome pouco conhecido para os não iniciados no assunto. Falo de Alix Grès (1903-1993)

Por Mario Mendes Atualizado em 30 jul 2020, 21h02 - Publicado em 15 fev 2017, 18h09
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  • Volto à moda. Dessa vez para lembrar de nome pouco conhecido para os não iniciados no assunto além da trindade divina, e sempre citada, Chanel-Dior-Saint Laurent. Falo de Alix Grès (1903-1993), ou Madame Grès como batizou a maison de couture estabelecida em 1941 e encerrada em 1988. Era filha da alta burguesia francesa católica e deixou os pais horrorizados aos lhes informar que, primeiro, desejava ser bailarina e, depois, seguir carreira como escultora. O pai vetou e ela não se rebelou, apenas optou por um caminho mais modesto, menos boêmio, e trocou de nome para evitar problemas na família. Entrou para o mundo da moda e de Germaine virou Alix.

    A moda em Paris, em 1933, estava em mãos femininas. Além da poderosa Coco Chanel e da surrealista Elsa Schiaparelli, havia as madames Vionnet e Lanvin. Alix foi trabalhar com a menos famosa Julie Barton e de cara emplacou com vestidos que tinham o movimento da dança e um intricado drapeado feito como esculturas em tecido. Tudo em branco marmóreo, lembrando afrescos e estátuas gregas. Um sucesso que levou a patroa a renomear a casa com o nome da funcionária talentosa que surfou na onda, casou com um pintor russo, Serge Czerefkow, e juntos foram viver no Taiti.

    Ao voltar a Paris, já com os nazistas no comando da cidade, Alix abriu sua própria maison. Porém, como se recusou a revelar as técnicas de trabalho e a obedecer a severa lei de restrição do uso de materiais – os elaborados drapeados consumiam muitos metros de tecido – teve seu negócio fechado pelos alemães. Era então conhecida como Alix Grès – anagrama de Serge, a assinatura do marido artista – e usava o acessório que se tornou sua marca registrada: o TURBANTE. Alegava não ter intenção nem tempo para se entregar aos cuidados de um cabeleireiro.

    E assim lançou a moda da cabeça feita, muito popular na França durante a II Guerra e além, com adeptas famosas como a escritora Simone de Beauvoir, hoje santa padroeira das feministas – tanto as de raiz quanto recém-chegadas. Quando Paris foi libertada, Grès lançou coleção patriótica com muito drapeado nas  cores da bandeira francesa, azul, branco e vermelho. Mais empoderada impossível.

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    Nas décadas seguintes, a agora Madame Grès viu sua moda crescer em domínio e influência. Em 1958 marcou um gol internacional com o lançamento da fragrância Cabochard, um best-seller da perfumaria no mundo inteiro. Vestiu tanto a velha guarda – Duquesa de Windsor e Marlene Dietrich – quanto o novo poder – Jackie Kennedy – e conheceu a fama entre a jovem guarda quando suas inspirações étnicas vindas da África e do Oriente apareceram em forma de djelabas – túnicas marroquinas – e batas indianas que conquistaram as clientes hippies chic. Em 1972 tornou-se presidente da Câmara Sindical da Alta Costura e prosseguiu produzindo e influenciando designers da nova geração como Saint Laurent, sempre chegado em um turbante, e o tunisiano Azedine Alaïa, louco por um drapê.

    Problemas financeiros e idade avançada levaram madame a vender sua marca para um conglomerado suíço, que mantêm no mercado o perfume Cabochard. Ela aposentou tesoura, linha e agulhas, mas manteve o turbante e se retirou para o sul da França, onde morreu praticamente esquecida. Em 2011, uma retrospectiva do trabalho de Grès virou exposição em Paris, atraindo grandes filas e mostrando que algumas vezes a alta costura chega muito perto da arte. Hoje podemos ver ecos do estilo Grès nos tapetes vermelhos das premiações do showbiz, em marcas como Marchesa.

    Conto a história da costureira que usava turbante até debaixo do chuveiro apenas como contribuição a um assunto polêmico sobre o qual já se disse muita besteira. E me pergunto se alguma vez pela manhã, madame Grès sofreu crise de consciência por estar praticando apropriação cultural a vida inteira. Dúvida cruel.

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