Um contingente de 17,9 milhões de brasileiros vivendo quase sem a presença do Estado em vielas, morros e moradias nem sempre adequadas e que, em sua maioria, buscam criar o próprio sustento na região onde vivem. É este o país chamado favela, que movimenta nada menos que R$ 202 bilhões por ano, uma renda que, se fosse equiparada à dos Estados brasileiros seria a 6ª unidade da federação, ficando atrás do Paraná. Estes são alguns dos dados da pesquisa Data Favela 2023 divulgada no último dia 17 e que traz um cenário que exige antes de tudo humildade de quem é de fora para entender que, neste universo, estão a concentração geográfica das desigualdades brasileiras e também as potencialidades da nossa população.
Nas próprias percepções sobre o território captadas pela pesquisa vemos a diferença de que existe entre a população “do asfalto” e a das favelas, e a necessidade de fazer o restante do país olhar com outros olhos para as comunidades. O Data Favela mostra que, para quem é de fora, a primeira palavra que vem a mente quando pensam em favela quase sempre tem uma conotação negativa: Pobreza, fome, violência, tráfico e assalto.
Já para as pessoas que vivem neste universo, as palavras que vem à mente são superação, família, alegria, amizade e felicidade. E aqui está um elemento essencial para pensar a população que vive nestes locais, que é a noção de senso de comunidade. Muito mais presente do que na população das grandes cidades que mora no asfalto e mal conhece os próprios vizinhos, nas comunidades esse senso é o que faz a maioria da população querer seguir morando e trabalhando nas favelas mesmo enfrentando uma série de dificuldades.
Sim, os próprios moradores admitem que a vida nestas comunidades não é fácil. Perguntados pelo Data Favela, 27% dos moradores elencam a segurança como principal preocupação, seguido por melhorias de habitação/moradia (19%) e mais infraestrutura, como rede de esgoto e iluminação (15%). Alguns dados ainda reforçam o cenário de dificuldades: seis em cada 10 moradores da favela já mentiu o endereço em uma entrevista de emprego, 54% não tem aceso a água encanada e sete em cada dez mães das comunidades não conseguem vagas em creches para seus filhos.
Mas vem dos próprios moradores, também, a vontade de seguir vivendo nas comunidades e empreender lá, em uma lógica não só de enriquecimento pura e simples, mas de trabalhar com algo que também traga retorno para a comunidade. Em outras palavras, na favela está presente a noção de que uma pessoa só ganha dinheiro quando todo mundo da comunidade ganha. Apenas 1% dos moradores das favelas afirma sonhar em sair de lá e para 35% deles o maior sonho profissional é ter o próprio negócio.
Nada de CLT ou mesmo a segurança do serviço público, para grande parcela desse contingente do país chamado favela, pesa mais a liberdade para poder correr atrás do próprio dinheiro no seu tempo e sem ser submetido a um chefe preconceituoso e/ou assediador. Seja formal ou informalmente, essas pessoas já convivem desde criança em suas casas com o corre dos pais ou responsáveis para garantir o sustento do dia a dia. E nessa luta diária, desenvolvem desde novos a proatividade, necessidade de trabalho em equipe e equilíbrio emocional muito antes que qualquer empreendedor engomado da Faria Lima pensar em criar uma startup inovadora.
Esta talvez seja a maior lição por trás dos números do Data Favela e que espero que você leitor possa levar daqui pra frente. Neste universo onde a primeira vista parecem brotar somente problemas e dificuldades também é o criadouro de pessoas dedicadas, engajadas e que desenvolvem em seu DNA um potencial empreendedor que merecia mais atenção do setor privado. A favela não tem que aprender com o asfalto, é o asfalto que precisa aprender com a favela.