“Ele pediu desculpas como quem rasgou uma camisa. Desculpa mãe, matei seu filho. Desculpa mãe, rasguei uma camisa. Eu achava que ele ia se levantar, me dar um abraço e pedir perdão. ‘Perdão mãe, eu errei’. Você acha que eu não ia perdoá-lo?”, desabafou uma emocionada Christiane Yared, por volta das 21h30 desta terça-feira.
Pouco antes, Luiz Fernando Ribas Carli Filho, o ex-deputado estadual acusado de provocar o acidente que matou Gilmar Yared, 26 anos, filho de Christiane, encerrava seu depoimento, colocando fim ao primeiro dia do julgamento no Tribunal do Júri, no qual ele é acusado de duplo homicídio com dolo eventual, quando o réu assume o risco de matar.
Falando ao juiz e respondendo a perguntas do Ministério Público, Carli Filho admitiu ter cometido o “maior erro da vida” naquela noite. “Eu bebi. Eu dirigi. Assumo minha parcela de culpa. Sou culpado, mas nunca tive a intenção de matar ninguém”, disse, para em seguida virar-se para Christiane e Vera Lúcia de Carvalho, mãe de Carlos Murilo de Almeida, 20 anos, a outra vítima do acidente e pedir desculpas. “Eu sei que eu nunca tive a oportunidade de pedir desculpa para a dona Christiane e para a dona Vera. Quero hoje poder pedir desculpas pelo que eu causei.”
Após a morte do filho, Christiane fundou uma ONG para combater a violência e a impunidade no trânsito. Em 2014, ela foi eleita a deputada federal mais votada do Paraná com 200 mil votos.
Acidente
O acidente ocorreu na madrugada do dia 7 de maio de 2009, em uma rua que liga o Mossunguê (um dos bairros mais caros de Curitiba) ao centro da cidade. Horas antes, o então deputado estadual Carli Filho havia jantado e bebido, primeiro com familiares e depois com um casal de amigos. Pelo menos três garrafas de vinho foram consumidas em uma mesa com três pessoas.
Carli Filho deixou o local bêbado, conforme o relato de Altevir Santos, funcionário do restaurante. Chegou a entrar no carro do seu médico e amigo pessoal Eduardo Missel da Silva. Combinaram, segundo o depoimento de Missel, que Daniela Daretti, namorada do médico, iria dirigir por ter bebido menos. O casal levaria Carli Filho para casa e o ex-deputado pegaria seu carro no estacionamento apenas no outro dia.
O combinado, porém, durou segundos. Ele saltou do banco de passageiros do carro dos amigos. Ao sair, tropeçou e precisou ser amparado por Altevir. Desvencilhou-se do porteiro e entrou em seu carro, um Passat Variant. Com a carteira suspensa com mais de 130 pontos e 30 multas, deixou o local bêbado e em alta velocidade.
Quebra-cabeça
Do restaurante ao local do acidente são 6,8 quilômetros, que podem ser feitos em 12 minutos com boas condições de trânsito. O ex-deputado levou meia hora. O que aconteceu nesse meio tempo é um quebra-cabeça que nem acusação nem defesa conhecem por completo. Sabe-se que o ex-deputado fez diversas ligações telefônicas, algumas delas de duração muito curta. Não se sabe porém o trajeto seguido por ele ou se Carli passou em algum lugar. O local do acidente, no entanto, indica que o ex-deputado desviou do caminho de casa. Ele diz não se lembrar de nada.
Pouco depois da meia-noite, o carro de Carli Filho chocou-se contra o Honda Fit no qual estavam Yared e Murilo. Os dois ocupantes morreram na hora e pedaços dos corpos ficaram espalhados pelo chão.
Velocidade
O inquérito policial indica que o ex-deputado dirigia entre 161km/h e 173 km/h no momento da colisão e que seu Passat teria alçado voo, atingindo a metade de cima do Honda Fit. No depoimento mais longo do primeiro dia de julgamento, o assistente técnico da Defesa, Ventura Martello Filho, questionou o laudo elaborado pelo Instituto de Criminalística e pelo perito contratado pelos advogados assistentes da acusação. Martello disse que o Passat não decolou e disse não ser possível calcular com precisão a velocidade de Carli Filho no momento do acidente. O julgamento deve ser encerrado nesta quarta-feira com as alegações finais das partes e a decisão do júri.