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O Som e a Fúria

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Tim Maia, 80 anos: a seita alienígena que marcou a vida do cantor

Ao aderir ao grupo Cultura Racional, nos anos 70, músico deu uma pausa nos vícios e gravou discos cultuados com muito suingue - e letras muito doidas

Por Felipe Branco Cruz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 28 set 2022, 11h59
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  • Em seus 55 anos de vida, Sebastião Rodrigues Maia, o Tim Maia, marcou de maneira indelével a história da música brasileira ao misturar gêneros negros americanos com ritmos brasileiros, como o baião e o samba. Sua voz potente, o jeito bonachão e as canções ao estilo “mela cueca” e “esquenta sovaco” (como ele gostava de definir seu trabalho) o colocaram entre os grandes artistas do país. Nesta quarta-feira, 28, Tim Maia completaria 80 anos, mas a vida regada a sexo, “bauretes” (como ele chamava a maconha), álcool e muitas outras drogas cobraram seu preço: em 15 de março de 1998, pesando 140 quilos, ele morreu devido a uma infecção generalizada. Sua voz grave, uma de suas grandes qualidades, é claro, acabou prejudicada com tantos abusos. Mas houve uma época, entre 1974 e 1975, em que ele conseguiu momentaneamente dar um tempo dos vícios – e nunca cantou tão bem na vida. No período, conhecido pelo clássicos discos Racional Volume 1 e Volume 2, Tim Maia se tornou adepto da seita Cultura Racional, sediada em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, que mistura a crença em disco voadores com a umbanda.

    Intenso como só ele conseguia ser, Tim Maia experimentou uma mudança de vida extrema. Em 1974, após já ter lançado três álbuns, o músico já tinha prontas as partes instrumentais das músicas que entrariam em seus próximos dois discos – faltava apenas compor as letras. Mas, após se converter à religião, inspirado pelos ensinamentos do guru Manuel Jacinto Coelho, Tim escreveu letras que exaltavam a doutrina e que soavam completamente incompreensíveis para seus fãs.

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    Tim Maia durante a fase Racional (//Divulgação)

    O músico passou a usar só roupa branca, parou de consumir drogas e carne vermelha, e sua voz se transformou em uma joia cristalina. Exceto pelo fanatismo com que ele seguia a seita, o período fez um bem danado para sua saúde. Ele também se aproximou da família e – como sua gravadora se recusou a lançar o disco – fundou seu próprio selo, o Seroma (abreviatura de Sebastião Rodrigues Maia, mas também Amores ao contrário). A criação do selo se mostraria um dos maiores acertos na época, pois a partir daquele período o músico jamais voltaria a lançar músicas por outra gravadora e teve domínio total sobre sua obra – algo que Roberto e Erasmo Carlos nunca tiveram, por exemplo.

    Pela Seroma, portanto, o músico lançou Tim Maia Racional Volumes 1 e 2, com canções ininteligíveis, como O Grão Mestre Varonil, Leia o Livro Universo em Desencanto, Energia Racional e Guiné Bissau, Moçambique e Angola. E outras que transcenderiam a doutrina e até hoje são tocadas em festas, como Imunização Racional (Que Beleza) e O Caminho do Bem. O fato é que, a despeito das letras, o groove e as batidas do soul music das faixas são até hoje irresistíveis. Segundo Nelson Motta, autor do livro Vale Tudo: O Som e a Fúria de Tim Maia, o músico emagreceu e os reflexos em sua voz foram impressionantes. “Um fôlego e uma potência, uma clareza e uma riqueza de timbres que saltavam aos ouvidos. Estava cantando como nunca”, escreveu.

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    Aos poucos, Tim Maia foi se desencantando com a religião e com os ensinamentos do guru. A doutrina  pregava que, por meio da leitura de centenas de livros da Imunização Racional, seria possível atingir a Iluminação e, eventualmente, entender de onde viemos, o que somos e para onde vamos, com base em teses que misturavam espiritismo, metafísica, ecologia, disco voadores, seres alienígenas. A desilusão veio em 25 de setembro de 1975. Segundo Motta, Tim acordou com uma vontade louca de comer carne, beber e fumar um baurete. Voltou para casa, quebrou tudo e gritou pela janela que Manoel Jacintho era um pilantra, ladrão e que “comia todo mundo”.

    Desiludido com a doutrina, Tim se envergonhou do trabalho e mandou retirar os dois discos das lojas, transformando-os imediatamente em itens raros e de colecionadores – hoje praticamente impossíveis de ser encontrados. Após sua morte, no entanto, as músicas foram relançadas e agora estão disponíveis nas plataformas de streaming. Em 2011, outras músicas da fase Racional foram descobertas e um disco póstumo batizado de Racional Volume 3 também foi lançado.

    Após a fase Racional, Tim voltou a gravar suas músicas e em 1978 lançou um de seus maiores clássicos, a música Sossego, no álbum Tim Maia Disco Club. E a vida desregrada, é claro, voltou ao “normal”.

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