Contratado no início de 2020 como regente titular e diretor musical da Osesp, o maestro suíço Thierry Fischer, assim como todo o restante do planeta, foi surpreendido com a pandemia. Seu trabalho à frente de uma das mais importantes orquestras do Brasil – e também do mundo – fiquei prejudicado pelas restrições sanitárias. Somente agora, em 2022, que o músico conseguiu reger a Osesp em sua plenitude. Em entrevista a VEJA, o maestro falou da alegria de voltar a reger a orquestra, das dificuldades em ensaiar durante a pandemia. Ele disse ainda não estar alheio à situação social do Brasil, algo que ele é constantemente lembrado, já que a Sala São Paulo está localizada muito próxima a um dos locais mais degradados da cidade, a Cracolândia.
Nesta sexta-feira, 8, às 20h30, e sábado, 9, às 16h30, o maestro regerá a orquestra mais uma vez na Sala São Paulo. Na programação está Des Knaben Wunderhorn: Seleção (A Trompa Mágica do Menino), de Mahler, e Sinfonia N. 2 em Ré Maior, Op, 43, de Sibelius. No domingo, 10, o maestro e a Osesp sobem a serra para uma apresentação no Festival de Inverno de Campos do Jordão. Depois dessas datas, as próximas apresentações serão apenas 29 e 20 de setembro e 1 de outubro. Confira a seguir a entrevista:
O senhor foi contratado como regente titular da Osesp em março de 2020, dias antes do início da pandemia. Por causa disso, somente dois anos depois foi possível reger a orquestra sem nenhuma restrição. Qual foi a sensação de voltar aos palcos? É um sentimento que vai além das palavras. Todos sentimos falta de estarmos juntos tocando música e de apenas voltarmos ao normal. Criamos um senso coletivo maior. A reação do público também foi muito calorosa. É como se eles estivessem precisando tando quanto nós. Meu papel como líder artístico sempre foi o de ir além do entusiasmo. Estávamos todos felizes, mas isso é o suficiente para nós? Não. Quando estamos felizes, eu fico desconfiado. Quero sempre ir além e não aceitar fazer apenas algo mediano e, sim, pressionar pelo melhor a cada fim de semana.
Músicos profissionais precisam ensaiar constantemente, do contrário, enferrujam. Na pandemia, a Osesp ensaiou de casa, mas sabemos não é a mesma coisa. Como manteve a qualidade? Fiquei impressionado com o resultado. Evidentemente, ninguém voltou pronto de casa, com o padrão de sempre. É como no futebol, se não tem treino coletivo, o time é afetado. É como se os jogadores treinassem no quintal de casa. Retomar os reflexos de tocar presencialmente não é tão automático assim. Meu trabalho foi recriar esse automatismo. Nossos músicos são altamente preparados e agora estamos no mesmo nível que antes da pandemia.
Durante a pandemia, a Osesp foi uma das poucas orquestras do mundo que fez transmissões ao vivo pela internet. Como avalia a inciativa? Como artista, sempre vou preferir a música ao vivo. No entanto, como diretor musical de uma orquestra tão prestigiosa e diante de uma situação inesperada mundial, que foi a pandemia, senti que tínhamos que fazer isso. É a minha atividade favorita? Absolutamente não. Mas foi extremamente importante. Sempre acreditei que a arte pode realmente fazer a diferença para nós e os concertos que fizemos recentemente ao vivo, na Sala São Paulo, demonstram o prazer de estarmos juntos novamente. Nada substitui a música ao vivo.
Os frequentadores da Sala São Paulo são majoritariamente mais velhos. É possível rejuvenescer esse público? Não há nada de errado em ter um público um pouco mais velho. É como ir em restaurantes realmente bons. Uma pessoa de 17 anos não vai. É claro que a música clássica deveria ser para todos. Penso que a resposta para essa pergunta é a educação. Você manda seus filhos para praticar esportes desde criança. O mesmo deveria ser com a música clássica. A disciplina necessária para aprender a tocar violino, por exemplo, te dará valores que serão uteis em diferentes aspectos da vida. A solução não está apenas nas mãos da Osesp, mas também na educação. O ambiente da música clássica não precisa ser apenas o sóbrio do terno e gravata, apenas para mostrar que é respeitável. É possível levar música clássica para os parques ou para as ruas.
O senhor é suíço e vem de um país com uma excelente distribuição de renda. O que pensa quando vai reger a Osesp na Sala São Paulo e se depara com a Cracolândia, localizada ali próximo? Como lida com essa dura realidade social da cidade? Parte meu coração todos os dias. Mas o coração partido do Fisher não ajuda ninguém, não é mesmo? Também sou maestro na Utah Simphony, em Salt Lake City, nos Estados Unidos. Por lá também há um aumento de moradores de rua. O primeiro passo é não ignorar essa situação. A Osesp não vai conseguir mudar essa realidade.
Quais são os planos do senhor para os próximos dois anos em que estará à frente da Osesp? Meu objetivo na Osesp é transcender para tocarmos no mais alto nível, todas as semanas. O público não vai toda semana para o estádio de futebol, ao a museu ou a em um excelente restaurante, mas é importante que ele saiba que existe um grupo de pessoas trabalhando duro para ter uma reputação de excelência. Isso é muito importante em uma comunidade. Estou na Osesp desde 2020, mas tenho a sensação que estou começando agora, depois dos dois anos de pandemia. Temos grandes projetos até 2024, como os 70 anos da Osesp e os 25 anos da Sala São Paulo, além de uma turnê no exterior.