Um dos primeiros contatos que o finlandês Klaus Mäkelä teve com a regência se deu em 2002, num teatro na capital do país nórdico, Helsinque. À época aos 6 anos, ele interpretava um dos garotos maltrapilhos do primeiro ato da ópera Carmen, de Georges Bizet. Ao som de flautas e trombetas, o menino enxergou de longe a batuta do regente — e decidiu que era aquilo que queria fazer pelo resto da vida. Aos 12, já cantava no coro da Ópera Nacional finlandesa e, pouco depois, dominava tão bem o violoncelo que havia se qualificado para tocar na Filarmônica de Helsinque. Hoje aos 28, o artista vindo da Finlândia exibe uma ascensão fascinante: é a nova estrela da regência mundial.
Stravinsky: The Rite Of Spring & The Firebird – Klaus Mäkelä [Disco de vinil]
O sucesso de Mäkelä sintetiza os novos ares que a profissão de maestro ganhou nas últimas décadas. Foram-se os dias em que medalhões das batutas tornavam-se indissociáveis de suas orquestras — caso de Herbert von Karajan à frente da mítica Filarmônica de Berlim. Mäkelä pertence à era dos maestros “multitarefa”, cujo cacife se amplia à medida que vão acumulando funções em grandes conjuntos pelo mundo. No momento, ocupa os cargos de maestro-chefe da Filarmônica de Oslo e de diretor musical da Orquestra de Paris. Em 2027, assumirá o comando da prestigiosa Royal Concertgebouw, na Holanda, e também a direção da Orquestra Sinfônica de Chicago. Na história recente da música erudita, nenhum outro regente — nem mesmo o badalado Gustavo Dudamel — havia conquistado tantas posições de realce antes dos 30 anos.
A trilha para o jovem chegar tão longe de forma galopante é notável. Nascido numa família de músicos eruditos, Mäkelä já atuava como violoncelista solo e regente antes mesmo dos 20 anos. O pulo do gato foi o convite para conduzir uma apresentação de um conjunto sueco, a Radio Symphony Orchestra, pouco antes da pandemia — a experiência agradou tanto que ele saiu contratado como chefe da orquestra. Dali bandeou-se para Oslo e, no meio-tempo, construiu um impressionante portfólio de gravações. É um dos três únicos maestros até hoje a ter contrato de exclusividade com o respeitado selo Decca, pelo qual registrou a obra do conterrâneo Sibelius com a orquestra de Oslo, além de peças de Stravinsky e Debussy ao lado da Sinfônica de Paris. Na regência, sua marca é obter interpretações altamente passionais, mas ao mesmo tempo plenas de rigor e precisão.
Stravinsky: Petrushka; Debussy: Jeux, Prélude – Klaus Mäkelä [Disco de vinil]
Embora seja fruto do talento pessoal de Mäkelä, seu êxito veio com um empurrão de seu país. Ele é o exemplo mais recente de uma política de incentivo à música clássica promovida pela Finlândia há mais cinquenta anos, que oferece nas escolas públicas aulas de instrumentos, composição e canto. O resultado é salutar: com uma população de 5,5 milhões de habitantes, a Finlândia abriga trinta orquestras — maior número per capita do planeta. Além disso, tornou-se exportadora de maestros. Antes de Mäkelä, o país já tinha revelado um prodígio como Esa-Pekka Salonen, 66, atual diretor musical da Sinfônica de São Francisco.
Em comum, todos tiveram como professor Jorma Panula, de 93 anos, catedrático da Sibelius Academy, uma das mais importantes escolas de música clássica do mundo. Chamado pela revista britânica The Spectator de “Mestre Yoda da regência” por sua habilidade em transformar um músico em mestre, Panula espalhou sua influência pelo mundo com um estilo que passa por falar pouco, ouvir muito e ser rigoroso na leitura das partituras.
Mäkelä foi um desses talentos gestados pelo Yoda erudito — ainda que, obviamente, a suposta “genialidade” do jovem não seja unânime num meio movido por vaidades exacerbadas. “Ele é, simplesmente, o maior maestro do século XXI”, já rasgou-se o cineasta Bruno Monsaingeon, diretor de documentários sobre virtuoses como o pianista Glenn Gould — e de um filme sobre o próprio finlandês. Para gente como o crítico americano David Hurwitz, porém, Mäkelä não passa de uma nova “beldade loira” da regência. “Ele é o boneco Ken da música clássica”, disparou Hurwitz, comparando-o ao namorado da Barbie. De qualidades concretas, os músicos que trabalharam com Mäkelä costumam destacar sua generosidade e pouca afetação com a batuta — o que não é pouca coisa. Seu traço geracional mais eloquente, porém, está num púlpito diferente: as redes sociais. O maestro que veio da fria Finlândia inaugura uma era em que os maestros prodígios não perdem a chance de fazer uma pose no Instagram. A cada mergulho musical, um post.
Publicado em VEJA de 4 de outubro de 2024, edição nº 2913