Céline Dion enfrenta doença incurável e se despe de vaidade em novo doc
Diretora conta a VEJA que teve carta branca para filmar — e a produção mostra a força dos que aceitam e encaram, como podem, o que não dá para contornar
![DOENÇA RARA - O drama da cantora: distúrbio neurológico que afeta uma em cada 1 milhão de pessoas](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2024/06/GettyImages-1188335338.jpg.jpg?quality=90&strip=info&w=1280&h=720&crop=1)
Feliz após gravar, com muito esforço, a canção Love Again, trilha do filme O Amor Mandou Mensagem, de 2023, Céline Dion foi para a sessão de fisioterapia exultante — e até ironizou os movimentos involuntários que seus pés, inadvertidamente, começavam a fazer. Há dezessete anos convivendo com um distúrbio neurológico raro e incurável, a síndrome da pessoa rígida, que afeta uma em cada 1 milhão de pessoas, a cantora canadense sofre de espasmos e dores lancinantes que restringem seus movimentos, entre eles, a capacidade de sustentar os agudos marcantes que a fizeram famosa.
O Amor Mandou Mensagem – Sofie Cramer
Até aquele momento, ela não sabia que a felicidade de concluir a gravação de uma música deixara seu cérebro superestimulado, provocando, em seguida, uma crise dura de assistir — e registrada com crueza, mas sensibilidade, pela cineasta Irene Brodsky no documentário I Am: Céline Dion, lançamento do Prime Video, da Amazon. Na sequência filmada, o corpo da cantora se trava completamente, as mãos ficam retesadas, a boca entorta e os olhos miram o vazio enquanto ela emite gemidos de dor. O fisioterapeuta age rápido e a coloca em uma posição confortável antes de aplicar duas doses de uma medicação forte.
Courage – Céline Dion [Disco de vinil]
Minutos depois, Céline chora ao constatar o quanto sua carreira estava comprometida. Como seguir a vida de intérprete se o ato de cantar pode desencadear tamanha crise? Esbelta, carismática e dona de uma elegância natural (e de um armário com 12 000 pares de sapato), a cantora de 56 anos sempre fez por merecer o título de diva. Logo, ao se mostrar em situação tão vulnerável, Céline choca e, ao mesmo tempo, inspira: ao lidar com o inimaginável, ela trocou a vaidade pela honestidade sem filtros. “Céline me disse para manter a cena da crise, entre outras, nas quais chorava e sentia o desconforto causado pela doença”, disse a diretora a VEJA.
Nos últimos anos, especialmente no streaming, os documentários centrados em celebridades se tornaram um substrato valioso tanto para as plataformas quanto para os artistas, que apelam para a imagem do “gente como a gente”, mas com total controle sobre o resultado final. Esse era o plano quando Irene Brodsky foi contratada para dirigir o filme sobre a carreira brilhante de Céline — e seu potencial retorno aos palcos após a turnê cancelada. Entre 2022 e 2023, ela teve acesso irrestrito ao dia a dia da artista e logo notou que não se tratava mais de um documentário sobre superação, mas, sim, sobre resiliência. “Ela me falou: ‘Não precisa pedir permissão para filmar. Se fizer isso, vai estragar o momento’ ”, conta Irene sobre a carta branca recebida. Foi dessa liberdade que saíram cenas como aquela em que Céline tenta cantar, mas desafina escandalosamente. “Não quero que os fãs me escutem assim”, diz, aos prantos.
![AP99121602632.jpg SINCERA = Ao lado, no início da carreira, em 1988; acima, à esq., com o marido, René Angélil; à dir., em entrevista para o documentário: intimidade escancarada](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2024/06/AP99121602632.jpg.jpg?quality=90&strip=info&w=1024&crop=1)
Em um mundo que exalta a superação e a positividade a qualquer custo, o filme consegue mostrar a força dos que aceitam e encaram, como podem, o que não dá para contornar. Mesmo caminho seguiu Michael J. Fox, que sofre de Parkinson e ajudou a tirar estigmas sobre a doença ao mostrá-la no documentário Still: Ainda Sou Michael J. Fox (Apple TV+). Na música, o gigante guitarrista Peter Frampton, diagnosticado com atrofia muscular, não esconde que vem gravando o máximo de canções possível antes do avanço da condição.
Falling Into You – Céline Dion [Disco de vinil]
Essa decisão de se abrir é uma ferramenta valiosa para a saúde mental de qualquer indivíduo. Céline só revelou publicamente o diagnóstico em 2022. Antes, manteve-se nos palcos com a ajuda de remédios — ela confessa que chegou a tomar uma dose potencialmente fatal de um calmante para aguentar uma turnê. Quando nem as medicações a ajudavam, ela inventava desculpas para justificar os cancelamentos. “Não quero mais mentir”, disse.
Céline foi revelada aos 20 anos pelo Eurovision, de 1988, quando ganhou o concurso representando a Suíça. Alcançou o auge na década seguinte, entoando baladas românticas poderosas, como a indefectível My Heart Will Go On, trilha do filme Titanic. Vendeu 250 milhões de álbuns e lotou arenas pelo mundo. Em 2016, a luta contra a doença encontrou a dor da perda do marido e empresário, René Angélil. Apesar das dificuldades, ela planeja gravar um novo álbum. Resistir é preciso.
Com reportagem de Kelly Miyashiro
Publicado em VEJA de 28 de junho de 2024, edição nº 2899
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