As diferenças entre cachê pago pela prefeitura e Lei Rouanet
Ambos os meios de incentivo cultural são legais e usam dinheiro público, porém, suas diferenças abrem brechas para desvio de verbas e valores exorbitantes
O controverso uso de dinheiro público para cachês altíssimos de cantores populares, como Gusttavo Lima, via prefeituras entrou na mira de Ministérios Públicos estaduais recentemente. O assunto ganhou outra dimensão por seu teor político. Cantores apoiadores de Jair Bolsonaro exaltam com frequência o “fim da mamata” de artistas que usam a Lei Rouanet. Porém, do outro lado, muitos deles fazem shows em cidades pequenas no qual os cachês são provenientes de verba pública e passam por pouca supervisão. O caso mais recente, de Teolândia, cidade baiana com 20.000 habitantes, iria usar valor equivalente ao da ajuda de emergência recebida do governo por causa das chuvas do ano passado, para bancar uma festa com músicos famosos, sendo Lima a atração principal. Confira a seguir qual a diferença entre as duas formas de pagar por eventos culturais no país.
Shows de prefeituras
Com cachês que giram entre 700 mil reais a 1,2 milhão de reais, o cantor Gusttavo Lima tem agendado até o fim do ano dezenas de shows que serão pagos por prefeituras de pequenas cidades do interior. Até aí, nada de errado. Festas tradicionais que celebram a cultura local acontecem todos os anos e o dinheiro gasto para organizá-las obrigatoriamente tem de passar por um processo de licitação. Ou seja, para contratar a empresa que montará o palco do show, a prefeitura abre concorrência e escolhe a mais barata entre as interessadas. Há, no entanto, algumas exceções, por exemplo, quando o serviço só é prestado por uma pessoa ou empresa, como é o caso de um cantor. Não há dois Gusttavos Limas no mundo e se ele cobrar 900.000 e a prefeitura tiver esse dinheiro para pagar, está tudo bem. Quem decide quanto dinheiro pagar e qual artista contratar é a própria prefeitura e não há limites para os pagamentos, mas o montante sairá diretamente dos cofres da cidade. Não há também um controle específico de como esse dinheiro é liberado, exceto na prestação anual de contas do município. Ou seja, abre-se espaço para desvios de verbas. O Ministério Público, o Tribunal de Contas e o Legislativo podem e devem questionar esse uso.
O uso de dinheiro público para eventos como esses, no entanto, chama a atenção em casos como o da cidade de Teolândia, no sul da Bahia, que sofreu com as chuvas no final do ano passado e recebeu do governo federal uma ajuda de 2,3 milhões de reais. No último final de semana, a cidade deu início a Festa da Banana com um orçamento de 2 milhões de reais, sendo que, desse valor, 704.000 reais seriam utilizados para pagar apenas o cachê de Gusttavo Lima. Eis a questão: como uma cidade que ainda está em estado de emergência pode se dar ao luxo de pagar essa grana em um evento deste porte em detrimento da manutenção do município? Esse uso controverso de verba, embora não seja proibido por lei, acendeu o alerta nos Ministérios Públicos estaduais. No caso de Teolândia, o MP-BA entrou com um pedido para suspender o show e foi atendido pela Justiça.
Lei Rouanet
A Lei Rouanet, duramente criticada pelo presidente Jair Bolsonaro, funciona de forma diferente. Sancionada em 1991, a Lei permite que um percentual do imposto de renda devido por pessoas físicas ou jurídicas possa ser usado para o financiamento da cultura. Ou seja, em vez de uma empresa pagar o imposto para o governo, ela usa esse dinheiro para financiar uma atração cultural, seja ela dança, teatro ou mesmo shows. Trata-se, portanto, de uma renúncia fiscal do governo. A diferença é que não é tão fácil conseguir a verba. Se no caso das prefeituras, quem decide como o dinheiro público será gasto é o próprio prefeito, no caso da Lei Rouanet há regras bem específicas. Uma delas, por exemplo, diz que o cachê de um artista solo não pode ser superior a 3.000 reais — ou seja, muito menor do que o de Gusttavo Lima. Em seguida, o grupo que quiser pleitear o financiamento, precisa submeter ao governo a proposta detalhando todos esses custos. Somente após a aprovação do projeto, feito por pareceristas, funcionários contratados especificamente para esse fim, é que o artista pode ir atrás do dinheiro que ainda precisa ser captado entre as empresas ou com pessoas físicas por meio de doações ou patrocínios. Em contrapartida, o nome da empresa pode aparecer na publicidade do projeto. No final, o artista precisa prestar contas de tudo o que fez, detalhando exatamente como cada centavo foi gasto.