Heróis solitários e suas sagas em busca de conquistas são cultuados desde a Grécia Antiga, talvez antes disso. Me identifico com essas figuras míticas e destemidas, pois também estou só sempre que embarco na máquina do tempo. Deixei 2021 às vésperas de mais um confronto entre Corinthians e São Paulo, o chamado clássico “Majestoso”, pela oitava ou sétima rodada do Brasileiro – não me recordo bem, pois no futuro serão muitos os asteriscos na tabela. Veio então a ideia de viajar até este 16 de dezembro de 1990, um domingão quente daqueles no Morumbi, em que vimos ontem o Timão conquistar enfim o seu primeiro título no Brasileirão. Vitória com gol de Tupãzinho, diminutivo da divindade indígena dos trovões, para felicidade da torcida de São Jorge – outro viajante da solidão. E “primeiro título” é como aquele recente comercial de sutiãs do publicitário corintiano Washington Olivetto: a gente nunca esquece! Entendeu agora o porquê do texto de hoje ter este título?
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Se você está lendo esta resenha profética na certa adquiriu nas bancas um exemplar deste colorido tabloide sensacionalista, afeito a notícias sanguinárias e a relatos extraordinários, único veículo que tem aberto espaço para este humilde porém sincero mensageiro do futuro. E provavelmente é corintiano, pois os são-paulinos estão numa ressaca de dar dó. Não é pra menos: o tricolor paulista comemora este ano seis décadas de sua fundação, 30 do Morumbi, deu vexame no Campeonato Paulista (daqui a três décadas os rivais ainda vão gostar de dizer que foi rebaixado no estadual) e já tinha batido na trave ano passado, perdendo o Brasileiro de 89 na final contra o Vasco. Por isso os jogadores são-paulinos entraram com tudo, pressionando o Timão por grande parte do primeiro tempo. Eram favoritos, um grupo forte, que, revelo a vocês, será a base do “Esquadrão Imortal”, assim futuramente batizado pela sucessão de triunfos mundo afora nos próximos quatro anos. Mas ontem era dia da caça.
Jogadores e torcida tricolor não contavam com a magia e a sorte do “Talismã da Fiel”, epíteto que acompanhará Tupãzinho pelos próximos 31 anos no futebol. Foi somente ontem, ao vê-lo se atirando na bola pra marcar o gol do título, aos 9’ da etapa final, que observei como deve ter sido ele a inspiração para o visual do famoso cantor sertanejo Zezé di Camargo. Ops! Acabo de saber que Zezé só lançará seu primeiro disco ano que vem. Vocês ainda não o conhecem. Mas acreditem em mim: Tupãzinho ainda vai entrar do banco para novas glórias do Coringão, ficando eternamente cativo no coração da Fiel. Aguardem o primeiro sucesso do tal Zezé, que constará do álbum de estreia do artista e falará justamente sobre esse sentimento mútuo entre jogador e torcida: “É o amor!”
O sertanejo Zezé, coitado, é são-paulino. E estavam mesmo em maioria absoluta os torcedores do time do Parque São Jorge na tarde/noite de ontem. Na primeira partida da decisão, como vocês sabem, aquele outro 1×0 (gol de Wilson Mano, de joelho!) reverteu para o alvinegro a vantagem do empate no confronto. Quando botei meus pés no Morumbi, ainda luz do dia, o sol forte realçava as redes “véu-de-noiva”, tão características do estádio, reluzindo nas duas metas do gramado. Saibam todos, revelo agora, que esses românticos “barbantes” brancos serão substituídos no futuro, em 2006, e o novo modelo vai entrar em campo sem o mesmo sucesso com que Tupãzinho se acostumará a sair do banco para a glória, marca de sua carreira. A torcida tricolor vai chiar, muito, e apenas em 2021 as balizas do Cícero Pompeu de Toledo receberão de volta as antigas redes que remetem a impecáveis enxovais de casamento. Em nome do Pai…
Um Corinthians x São Paulo assim, decidindo um Brasileirão num jogo do tipo um-contra-um não vai mais se repetir até 2021 – até porque, a partir de 2003, o campeonato adotará o formato de disputa “futebolisticamente correta” dos pontos corridos. Já sob as novas regras, os dois clubes se enfrentarão numa rodada derradeira em 2015, apenas pra cumprir tabela, pois o Corinthians já entrará em campo com novo triunfo no Brasileiro garantido. E a festa da Fiel vai sem completa, aplicando um 6×1 no rival. Repito: 6×1!!!! Devolverá assim, 88 anos depois, o placar da maior goleada entre os dois times até aqui, o 6×1 do São Paulo de 1933. Ou seja, ainda vai demorar…
Anotem aí: os dois clubes voltarão a ficar frente à frente decidindo títulos em seis Paulistões (1991, 1997, 1998, 2001, 2005 e 2019), um Torneio Rio-São Paulo (2002) e uma única competição internacional, em 2013, pela Recopa Sul-Americana, essa mesma que foi criada ano passado, com pequenas alterações (serão duas vitórias alvinegras, dando o título ao Timão). Em 2021, antes do jogo que estava prestes a acontecer quando deixei o futuro, já serão 348 confrontos do “Majestoso”, com 131 vitórias pro Corinthians e 106 para o São Paulo; 111 empates. Alerta de spoiler: nem todos esses embates se darão no Morumbi pois, acreditem, no próximo século todos os chamados “quatro grandes” paulistas terão seus próprios estádios, inclusive o Timão, que vai ganhar o seu com uma mãozinha (de quatro dedos!) de um futuro presidente da República corintiano. Ok, vou entregar: é este mesmo que vocês estão pensando, o que perdeu a eleição ano passado pro Collor. Sim, no futuro teremos Lula-lá! Aguardem… Essa novela vai ter muito capítulos. Outro detalhe: até o dia em que deixei 2021, o São Paulo jamais terá vencido o rival em sua arena, no bairro de Itaquera. Outro drama digno de horário nobre.
Com a vitória de ontem, será enterrada esta zoação que persegue o clube do Parque São Jorge, até aqui chamado pelos rivais de “time regional”. Pois saibam que em 2021 já serão mais seis os canecos do Brasileiro na sala de troféus do clube: 1998, 1999 (um Bi!), 2015, 2011, 2015 e 2017. Este primeirão parece ter começado ano passado, quando o Corinthians foi buscar seu novo Camisa 10, Neto, isso após tremer diante de suas jogadas e chutes certeiros na final do Paulista de 1988, conquistado em confronto contra o Guarani. Depois de passagens sem muito brilho por São Paulo e Palmeiras, Neto parece mesmo ter encontrado no Timão a sua casa, e aqui será eternamente o “Xodó da Fiel”. Foi “o cara” na campanha deste ano no Brasileiro, decisivo nos mata-matas com o Galo e Bahia, terminando a temporada como o segundo maior artilheiro da competição, apenas dois gols atrás do Charles, da Bahia. Sinto informar, porém, que este futebol vistoso do meia-esquerda não resultará em uma carreira de repercussão mundial, inclusive na Seleção. O futebol será sempre de craque. Mas a balança vai pesar. No futuro, se tornará comentarista, assim como o jovem goleiro Ronaldo, este sem problemas por ganhar peso, mas sim por perder cabelos.
Pra vocês terem uma ideia de como o futuro surpreende, na próxima Copa do Mundo, nos Estados Unidos, Neto não estará entre os convocados. Mas Paulo Sérgio, atacante com muito menos brilho do Corinthians, sim. Vai entender… Dos que participaram do jogo de ontem, cinco vão estar na seleção disputando o Mundial de 1994: os são-paulinos Zetti, Cafu, Leonardo, Raí e, pelo Corinthians apenas… Paulo César. Mas até lá já terá surgido um atacante que dará muita alegria a vocês da Fiel, de nome Viola, outro a representar o Parque São Jorge na Copa que vem por aí. Mas essa é outra história. Qualquer dia desses viajo na máquina do tempo e conto.
FICHA TÉCNICA
Corinthians x São Paulo
Estádio: Cícero Pompeu de Toledo (Morumbi)
Local: São Paulo, SP
Data: 16 de dezembro de 1990 (domingo)
Horário: 16h00 Árbitro: Edmundo Lima Filho Público: 100.858 torcedores
Renda: Cr$ 106.347.700,00 (Cruzeiros)
Gol: Tupãzinho, aos 9’ do segundo tempo (Corinthians)
Corinthians: Ronaldo Giovanelli; Giba, Marcelo, Guinei, Jacenir, Márcio, Wilson Mano, Tupãzinho, Neto (Ezequiel), Fabinho e Mauro (Paulo Sérgio) Técnico: Nelsinho Baptista
São Paulo: Zetti; Cafu, Antônio Carlos, Ivan, Leonardo, Flávio, Bernardo, Raí (Marcelo), Mário Tilico (Zé Teodoro), Eliel e Elivélton Técnico: Telê Santana
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