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Uma base para a sobrevivência (por João Bosco Rabello)

Bolsonaro terá dois mandatos dentro de um só

Por João Bosco Rabello
Atualizado em 4 jun 2024, 14h59 - Publicado em 12 abr 2020, 12h00
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  • Pode-se estabelecer, com a crise do coronavírus, que o governo Bolsonaro terá dois mandatos dentro de um só. O fim do primeiro coincide com o do ciclo do vírus e com o da primeira metade dos quatro anos. O segundo começa do zero e sem a perspectiva das reformas estruturais.

    A partir de janeiro de 2021, ainda sob os efeitos econômicos que se estima devastadores, o governo terá um desafio infinitamente maior no plano econômico que aquele de quando assumiu. De lá para cá, a realização concreta foi a aprovação da reforma da Previdência em ambiente econômico já precário.

    A inversão da doutrina econômica idealizada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, será mais duradoura do que as teorias que procuram lhe dar limite no tempo. O Estado assistencialista imposto pela pandemia gerou um orçamento de guerra que não se esgota junto com o ciclo.

    Em cenário de terra arrasada, o governo avesso à convivência com o Legislativo terá, provavelmente, que rever esse critério que orientou, até aqui, suas ações. A pandemia reverte não só a gestão econômica, mas também a política. Esnobar o Congresso Nacional requer popularidade em alta, conquista que o tempo e fatores externos impedem seja permanente.

    Economia no chão e capital eleitoral corroído formam uma conjunção perversa que impõe captação de apoio político, especialmente porque o terceiro ano de mandato é o de entregar promessas, o que no campo econômico não será possível. Além disso, já recebe influência das eleições do ano seguinte.

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    Alguns sinais indicam que o governo ensaia esse movimento de construção de alguma base política para sobreviver a esse, digamos, segundo mandato – o mandato pós-coronavírus. O pronunciamento em tom mais moderado de Bolsonaro, sua composição (ainda que precária e com prazo limitado) com o ministro da Saúde, Luís Henrique Mandetta, o contato ostensivo com o presidente informal do PL (ex-PR) Valdemar Costa Neto, denotam essa intenção.

    Começar tal desenho pelo PL é sintomático de que a investida, se vier a se confirmar, terá como porta de entrada o Centrão, o que significa unir a necessidade de apoio político a uma operação de risco de minar a base do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que cumpre um final de mandato sem possibilidade de reeleição.

    O fim dos mandatos de Maia e do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, ambos do DEM, criam oportunidade para o governo investir numa base de apoio, que provavelmente se sustentará na distribuição de cargos federais nos estados, o que soma ao governo na luta contra governadores adversários.

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    Hoje limitado institucionalmente pelo Legislativo e Judiciário, Bolsonaro contará também com o fim do mandato do presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, e o preenchimento de uma vaga aberta em setembro com a aposentadoria compulsória do decano Celso de Melo.

    O DEM, com três ministros no governo, mas sem que nenhum deles tenha a nomeação indicada pelo partido, já acusou o golpe. O recente vazamento de conversa entre o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, e seu antecessor no cargo, Osmar Terra, irritou o partido por escancarar uma conspiração dentro do governo contra o ministro da Saúde, Henrique Mandetta, que se tornou um quadro de excelência da legenda.

    Onyx reflete o pensamento do presidente em relação a Mandetta e Terra é ostensivo na candidatura para sucedê-lo, o que significa que a fritura do ministro da Saúde é gradual, em fogo baixo. Em algum momento Mandetta deixará o cargo, o que fica bem claro na continuidade do comportamento presidencial de desmoralizar a quarentena. É questão de tempo, que deverá coincidir com a disputa por apoio no Legislativo.

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    Na construção dessa base, Bolsonaro poderá ter êxito com a banda mais fisiológica do Congresso que trabalha em intensidade proporcional à tinta da caneta presidencial. Mas a dificuldade maior será a desconfiança que prevalece em relação ao cumprimento de compromissos pelo presidente, essencial na política.

     

    João Bosco Rabello é jornalista profissional há 40 anos em Brasília e sócio-editor do site Capital Político –capitalpolitico.info

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