Ao longo de nossa história, o Itamaraty é um exemplo de sucesso ininterrupto, até mesmo durante regimes autoritários. Na ditadura Vargas, em plena II Guerra, o Itamaraty desempenhou suas funções com seriedade e competência. Alguns de nossos diplomatas são considerados heróis por terem salvado vidas de judeus. Com Oswaldo Aranha, nossa política externa foi determinante na criação da ONU. Apesar da pressão contrária dos Estados Unidos, fomos o primeiro país a reconhecer o governo independente e marxista de Angola; fizemos acordo nuclear com a Alemanha; reconhecemos o governo Comunista da China. Não devemos esquecer a ruptura com Cuba em 1964, mas com exceção da demissão arbitrária de alguns diplomatas, é preciso reconhecer que os 21 anos de ditadura não enfraqueceram nossas relações exteriores, nem desestruturaram o Itamaraty.
A democracia a partir de 1958 foi o grande momento de nossa política externa. O restabelecimento de relações com Cuba foi um dos primeiros atos do governo democrático de Sarney. Ele construiu a aliança com a Argentina e, junto com Raúl Alfonsín e Julio Sanguinetti, fez o Mercosul. Collor colocou o Brasil na liderança mundial da defesa do meio ambiente, quando isto ainda não era um tema palpitante. Fernando Henrique e Lula solidificaram nossa presença no mundo. O primeiro formou um time com Lampreia; o segundo formou quase uma instituição com Celso Amorim, a Lulamorim, no cenário mundial. Os dois presidentes e seus ministros colocaram a presença brasileira no ponto mais alto de nossa história. O primeiro foi tratado no nível dos presidentes de países ricos, o segundo conseguiu ser o líder dos presidentes dos países pobres, e com isto ganhar o respeito dos grandes do mundo. O primeiro criou a Bolsa Escola, reconhecida na autobiografia de Clinton, onde é citada em português em todos os idiomas em que foi traduzida; o segundo, com o nome de Bolsa Família, mostrou ao mundo uma política social inovadora. Nada disto seria possível sem a história de nossa política externa e sem o Instituto Rio Branco formando nossos diplomatas.
Fui professor e conferencista em diversas universidades, no Brasil e no exterior, em nenhuma tive um conjunto de alunos com o brilhantismo, a competência e o espírito público dos que encontrei e com os quais convivi naqueles dois anos no Instituto Rio Branco. Tenho orgulho de dizer que o atual ministro não foi meu aluno. Seu desempenho é uma tragédia que vai demorar mais do que a provocada pelo corona vírus. Está quebrando nossa fama e nosso prestígio de neutralidade, independência, solidariedade, eficiência e progressismo. O Itamaraty está contaminado por um vírus cuja consequência nefasta será mais duradoura porque ele infeccionou o Brasil, não apenas os brasileiros.
Ele está desarticulando a máquina do Ministério das Relações, fazendo o Brasil virar motivo de chacota no cenário internacional e na comunidade diplomática do mundo. Além de nos tirar das tradicionais posições de independência e conciliação, nos afasta das posições sintonizadas com os rumos da história, na ecologia, nos direitos humanos e na luta contra a tragédia da pobreza. Suas posições desastrosas pela oposição e preconceito em relação à China, Cuba, Argentina, estão levando ao isolamento e fazendo do Brasil um pária. Em relação à China, é além disto uma estupidez pro tudo que este país representa no cenário mundial e nas relações comerciais com o Brasil. Só um inimigo do Brasil seria capaz de provocar tantos problemas para o país.
Em fevereiro, ouvi de um diplomata estrangeiro que ele sentia mais modernidade e diálogo em diplomatas do talibã do que no Itamaraty de Bolsonaro. Depois de respirar, ele disse: “E vocês já foram os melhores do mundo”. E lembrou os nomes dos chanceleres nos últimos anos: Fernando Henrique Cardoso, Luiz Felipe Lampreia, Celso Amorim, Antônio Patriota, José Serra, Aloysio Nunes.
O trabalho mais difícil no mundo hoje, depois de profissional da saúde, é ser diplomata brasileiro servindo no exterior. E já foi um dos trabalhos mais respeitados e admirados.
O grave é que o estrago feito pela incompetência da diplomacia levará décadas para ser recuperado. Este é um vírus duradouro.
Um dia, os defensores de Bolsonaro poderão alegar que no dia 1º de janeiro de 2019, educação, saúde, economia, finanças não estavam bem, mas terão de reconhecer que o desastre nas relações exteriores foi um crime de Bolsonaro contra o Brasil, sob a incompetência do chanceler que ele escolheu e sob a impotência de líderes civis.
Cristovam foi senador e governador