Reforma administrativa: o fantasma de Ricupero e de Guedes
As sínteses são sempre perigosas, podem reverter uma situação desfavorável ou o contrário
Por João Bosco Rabello
Com o foco central na economia e a renúncia ao sistema de coalizão, o governo concentrou a defesa de seu projeto reformista no ministro da Economia, Paulo Guedes, que acumula os papéis de formulador e articulador das propostas oficiais junto ao Legislativo.
É também o caixeiro-viajante em defesa das mudanças, mais ou menos como o foi o diplomata Rubens Ricupero ( foto) para o plano Real no governo de Fernando Henrique Cardoso. Há, porém, mais em comum entre ambos: não são políticos.
Brilhante quadro público, Ricupero morreu pela boca, fulminado por uma indiscrição nos bastidores de uma emissora de televisão minutos antes de ser entrevistado sobre o plano em curso. “O que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde”, foi sua frase infeliz.
Na verdade, o experimentado diplomata queria dizer que o processo de convencimento impõe ao vendedor sublinhar as qualidades e vantagens do produto que procura consolidar. Ninguém vende um remédio expondo primeiro seus efeitos colaterais. Mas a síntese, em conversa informal captada pelas antenas da emissora, lhe foi fatal.
O ministro Paulo Guedes, igualmente um quadro de excelência, comete erro similar pela segunda vez. Já o fizera durante a reforma da Previdência, quando a intransigência com relação à sua proposta o fez colecionar opositores. O problema foi contornado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
Dessa vez, o foco está na reforma administrativa, bem mais ambiciosa que a da Previdência,mas igualmente com clima favorável à sua aprovação: tem apoio da sociedade (88% se dizem favoráveis na pesquisa) e a vontade política produzida pela constatação de que, sem ela, o país ficará em pouco tempo ingovernável.
As sínteses são sempre perigosas, podem reverter uma situação desfavorável ou o contrário, desperdiçar oportunidades. Guedes pretendeu dizer que o modelo administrativo brasileiro é parasitário – uma crítica, portanto, ao sistema, mas acabou por chamar os servidores de parasitas.
Político algum cometeria tal erro. Sua frase levantou uma oposição corporativista que carecia de força e energia para enfrentar a reforma. Agora, como na Previdência, está nas mãos do comando Legislativo contornar esse efeito. O episódio reforça a necessidade de o governo ter um político capaz de articular no parlamento aquilo que formula.
Antes da frase infeliz do ministro, os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, já vinham contornando insatisfações com o fato de o governo patrocinar a reforma administrativa diante da existência de projetos parlamentares anteriores. O Congresso deveria ter a precedência, reclamavam alguns parlamentares.
Agora parece que a proposta do governo entra em banho-maria, enquanto os bombeiros agem. Já se fala na possibilidade de o Congresso tomar a frente dessa importante reforma. Nesse caso, o governo perderá o patrocínio como ocorreu com a Previdência. Esta, porém, já não era inteiramente sua, mas uma obra fatiada de várias gestões.
A reforma administrativa nasceu no atual governo com a chance de se tornar sua marca, como o plano Real para o governo Fernando Henrique. Tudo caminha para que, no mínimo, perca a exclusividade pela sua eventual aprovação.
A economia precisa da política, embora seja formulada por técnicos. Não adianta um projeto de excelência dentro de uma gaveta. Em algum momento, uma proposta (por isso tem esse nome) é submetida ao Congresso, aperfeiçoada ou reduzida em seu alcance, por determinação das condições políticas de aprová-la.
João Bosco Rabello é jornalista – https://capitalpolitico.com/