Um jornal serve para servir. Servir principalmente a uma cidade, Estado, país.
Um jornal, se for só papel, serve para cobrir o chão quando pintamos a casa ou embrulhar peixe no mercado.
Um jornal, se for só negócio, serve apenas para crescer em lucros, máquinas e construções.
Um jornal, se for mero símbolo, tradição e história, serve para discursos pomposos mas ocos de compromisso com a vida.
Um jornal-grife funciona só para o marketing ou propaganda de empresa líder de mercados.
Mas o que faz um jornal servir é algo além da mercadoria ou da imagem que projeta.
Um jornal não tem senhores, domínios, posses ou possessões. Um jornal serve quando não é escravo até do próprio sucesso.
Então para que serve mesmo um jornal?
Um jornal serve para publicar o que se fala, refletir o que se publica, aprofundar o que se opina sobre o publicado e ampliar todas as opiniões sobre o dito e o refletido.
Um jornal serve para servir ao seu eixo principal de credibilidade: o leitor.
Um jornal serve para ir além da notícia quando busca suas relações, seu contexto, bastidores, as circunstâncias que geraram o fato e até avaliar suas consequências.
Um jornal serve para pensar. E ser pensado por gente livre. Um jornal não é administrado por máquinas servis. Um jornal serve quando desperta atitudes.
Serve quando é veículo dos muitos meios, modos, culturas e linguagens componentes de uma sociedade.
Serve e é estimulante e rico quando abriga as contradições e com elas convive. E só estará vivo e em intensa atividade se servir aos que o leem e o sustentam.
Um jornal serve quando não teme. Nem o conflito natural das divergências nem o confronto acintoso com quem tenta intimidá-lo.
Um jornal serve quando se expõe até a equívocos, mas extrai lições e busca avançar não permitindo que a prudência se confunda com o medo.
Um jornal serve como serviço público, que é a definição mais básica de imprensa como instituição.
Um jornal serve para reagir, para admitir e apontar erros, para estabelecer as linhas de diálogo com as representações organizadas de uma cidade. Serve também para o indivíduo que não adquiriu voz partidária, sindical ou até mesmo de classe tal a sua exclusão no convívio social.
Um jornal serve para emocionar, dar prazer, informar por inúmeros suportes do fato além do texto, deleitar, entreter, indignar, comover e demonstrar que vive intensamente o seu tempo e a sua região.
Um jornal não é só um amontoado de linhas, textos, fotos e traços.
Um jornal serve quando se torna fundamental, preciso, precioso, indispensável para o que na verdade o mantém vivo: a credibilidade.
Em resumo, um jornal serve para servir!
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O texto acima foi escrito pelo jornalista, poeta, escritor e ativista cultural Vanderlei dos Santos Catalão, mais conhecido como TT Catalão, que morreu aos 71 anos de idade em janeiro do ano passado. Foi publicado na capa do Correio Braziliense em 19 de setembro de 1999 como editorial do jornal que à época estava às turras com o governador Joaquim Roriz, do Distrito Federal.
Desde que não sejam incomodados por ela, a liberdade de imprensa é exaltada pelos que ocupam funções relevantes. Quando se tornam alvos, eles tentam impor limites ou simplesmente suprimi-la. O então presidente Lula disse certa vez que preferia publicidade a notícias. O presidente Bolsonaro já ameaçou encher de porrada a boca de um jornalista.
A ONG Repórteres sem Fronteiras conferiu que 85% dos ataques desferidos no ano passado por autoridades contra jornalistas, organizações e imprensa em geral no Brasil partiram do clã Bolsonaro: Eduardo (208), Jair (103), Carlos (89) e Flávio (69). Se vivo fosse, TT Catalão talvez acrescentasse ao seu texto que a imprensa existe para satisfazer os aflitos e afligir os satisfeitos.