O Supremo Tribunal Federal tornou-se fator de instabilidade político-institucional. Deveria ser o contrário, caso cumprisse o papel que lhe cabe, de guardião da Constituição e da lei. Mas não cumpre: tem sido, sobretudo, uma Corte política e legislativa.
As questões que lhe são encaminhadas podem ter seu desfecho antevisto dependendo do perfil político do ministro ou da turma que as examinará. Se, por exemplo, tratar-se de habeas corpus a um político e couber à segunda turma, integrada por Toffoli, Lewandowski e Gilmar Mendes, é improvável que seja rejeitado.
Se couber à primeira turma, é quase certo que ocorrerá o contrário. Cada ministro é, bem mais que um juiz, um militante.
Mas não é só isso. Ignora-se, por exemplo, o prazo de validade de uma jurisprudência, que, em tese, deve orientar o público e viger com força de lei. Não pode, pois, mudar ao sabor dos ventos.
Mas é o que tem ocorrido. Agora mesmo, por exemplo, anuncia-se que o ministro Marco Aurélio voltará a colocar em exame a prisão em segundo grau, recém-definida quando da rejeição ao habeas corpus do ex-presidente Lula.
Será a terceira vez em um ano e meio – e a segunda em menos de um mês. As ações declaratórias de constitucionalidade (ADC) anteriores, do Partido Ecológico Nacional (PEN) e da OAB, tiveram da parte de ambos requerida sua retirada de pauta.
Não as queriam vinculadas à causa de Lula, já que encaminhadas em outro contexto. Mas eis que o PCdoB ingressou com outra e idêntica ADC, que manteve o tema em pauta.
Em circunstâncias normais (algo há muito ausente do país), a Corte nem deveria recebê-la. O ex-ministro Carlos Ayres Brito costuma dizer que o STF é uma porta que só se abre por dentro. Isto é, nem tudo o que lhe encaminham deve ser recebido.
Se não há cabimento, rejeita-se liminarmente. É o caso dessa ADC, tendo em vista a recentíssima definição do tema. A própria ministra Rosa Weber, contrária à prisão em segundo grau, resignou-se a aceitá-la tendo em vista a vontade soberana do colegiado.
Mesmo não tendo mudado sua convicção, a ministra argumenta – e com razão – que uma jurisprudência não se muda de uma hora para outra, ainda que a composição da Corte mude.
A isso se chama segurança jurídica, outro produto em falta no país. E isso decorre em parte do ativismo político da Justiça. Os ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes, embora arqui-inimigos, estão de acordo num ponto: a Corte é política mesmo e deve exercer essa prerrogativa. A lei, nesses termos, é secundária.
Barroso, inclusive, acusou Gilmar de “não ter uma ideia, uma causa”. Ora, a “causa” de uma Corte judicial, sobretudo a Suprema, é a Constituição – e nada mais. Mas o STF legislou reiteradas vezes em questões eleitorais, comportamentais e tem em pauta temas que não lhe cabem como Poder: entre outros, legalização das drogas e do aborto, prerrogativas do Poder Legislativo.
O argumento é de que tais temas, pela controvérsia que provocam na sociedade, são evitados pelo Congresso. Mas o papel do Congresso é exatamente este: auscultar a sociedade e só viabilizar aquilo que nela encontre aceitação. O do Judiciário é se ater àquilo que virou lei. Se alguém lá, como Barroso e Gilmar Mendes, achar a lei ruim, que busque um mandato parlamentar para mudá-la.
Ruy Fabiano é jornalista