Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana

Noblat

Por Coluna Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
O primeiro blog brasileiro com notícias e comentários diários sobre o que acontece na política. No ar desde 2004. Por Ricardo Noblat. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
Continua após publicidade

Jair, Judas e o talismã (por Paulo Delgado)

Um filho indiferente aos sentimentos humanos

Por Paulo Delgado
Atualizado em 30 jul 2020, 18h57 - Publicado em 4 Maio 2020, 11h00
  • Seguir materia Seguindo materia
  • Ninguém criou, impôs ou usou em causa própria, mas o talismã existe e conduz nossa história. O clima é de não acelerar nada, mas também de não deixar parar qualquer coisa. É difícil ser simples, mas seu modelo é muito simples. É um dom nacional. Dar tempo ao tempo.

    Enigma de racionalização não subordinado a qualquer paixão neste país colonizado por interpretações econômicas, políticas, ideológicas. Como entre nós a palavra não tem poder, a mágica cria as saídas. Estamos, outra vez, com velório na política. Abracadabra resolverá. Este o ofício do talismã.

    Um paradoxo ver a pátria, essa mãe culpada, governada por um filho indiferente aos sentimentos humanos. Um privilegiado dando tão inconsistente e alta valorização aos seus atos – quais atos? Um crítico de tudo com baixa tolerância às frustrações pelas críticas que recebe.

    Por sua inexpressividade nacional suas ações parlamentares sempre tiveram baixo custo político. Mas o talismã não achou justo vetar um, pois nunca achou ridícula a boa-fé do povo com demagogos. E deixou passar: de tanto encher linguiça, o homem sem imagem, que somente culpa os outros em busca transtornada por admiração, venceu a eleição. O povo nunca age preventivamente à má pronúncia da palavra. É apenas um troca-letras que fará mais um governo descoordenado.

    Continua após a publicidade

    Eis que ocorre o inesperado: uma crise de saúde mundial sincroniza com uma crise econômica geral agravada no Brasil somente porque ele, um sodado, quer transformá-la em guerra política particular. Encontra um economista dogmático, que também não sabe fazer curva. Dois caranguejos, bizarros e simétricos, capa dura, em linha reta para o muro.

    O talismã então se movimenta. Como a autoridade faz o gênero traquina-insensível-às-conveniências, seu fim não prevê combate. A pátria tem outras finalidades que não as dele. O isolamento social mudou a história da polarização vazia da política, a força agora é a solidariedade, a ciência, a valorização dos sérios e bons de fato.

    O talismã sabe que com os partidos e as instituições tecendo um círculo de artimanhas em torno da política eleitoral desde os anos 1990, chegamos em 2018 com o motor da insensatez no giro mais alto. De tanto ouvir não-é-esse-não-pode-ser-aquele, o iconoclasta virou ídolo. E assim, sentindo a negação da negação o povo jogou o jogo sem querer explicação. É do contra que eles são, é o contra que terão.

    Continua após a publicidade

    O tempo passa, e às apalpadelas, o talismã vai se esfregando no meio dos que estão na rua da amargura em desvantagem, os mais pobres de todo o gênero humano, os ricos enganados, os juízes engomados, os políticos anestesiados, e os faz continuar a acreditar nas coisas, sem por elas se interessar.

    Vem o vírus. Logo abre conta na Caixa e a faz dar um show para frear a comoção. Empurra em poucos dias 600 reais na vida de 55 milhões de ocupados, desocupados e invisíveis e os encontra, 90% pela internet. Só o povo pré-pago vive no presente, sem futuro ou passado. Os incrédulos apertam a mão do presidente que simula estar bem.

    Felizmente o talismã nutre nosso povo com qualidades singulares de passividade e não-cooperação ostensiva. Toca sua vida desemparado sem preocupação com a sociedade que o limita em sua mobilidade. Não quer ser inserido nada – ele já está muito mal inserido – o que quer é não ser pobre. Pesquisado, diz o que a pesquisa quer saber. Com esta particular forma de paz no coração desmascara a hipocrisia e deixa nua a retórica das frases que falam em poder do povo e interesse nacional.

    Continua após a publicidade

    No Congresso, no Supremo chovem denúncias. Assentam em cima, deixa o outro Poder avançar, suspender nomeação, testar positivo, freia ou acelera o tempo. Um velho toga dá entrevista para remoer ferida. Outros, a favor/contra/não sei não. O decano manda limpar logo o ouvido. O militar, no dispositivo, não gosta. Quer descer devagar, no andar do caranguejo. Golpe nimim não dá, choraminga o líder dislalias de sua alma.

    A reportagem ao vivo aperta, solta, não encara o burlesco, respeita o desrespeitador. É o bolero de Ravel do talismã preparando o povo para esquecer devagarinho o desamor que lhe é dedicado por quem fala uma coisa na campanha e faz outra depois de eleito.

    Pode até existir uma crença nos extremos da violência como forma redentora de desobediência civil. Porém, observando as saídas brasileiras para enfrentar a embromação e o caos provocado pela elite institucional, a calma não acordada contém muito mais sabedoria do que os que desdenham do Brasil conseguem captar.

    Continua após a publicidade

    É verdade que nossa ordem e progresso avança devagar e cheia de pendências. Mas aos trancos e barrancos o Brasil conseguiu em paz o que nenhum país conseguiu sem guerra. Este o nosso talismã, que sabe que a guerra é a pior doença.

    Não é crime a frieza do coração. Ainda mais quando veste de poder um homem nulo e consegue revelar as formas desagradáveis que esconde. Mas o presidente se desesperou de fato quando o talismã informa que na linha de frente da batalha não há soldado. São enfermeiros, médicos, farmacêuticos, balconistas, entregadores, motoristas de taxis, governadores e prefeitos.

    A pandemia desmilitarizou o patriotismo, tirou o monopólio do presidente armado, que passou a praticar tiro ao alvo nos ministros populares.

    Continua após a publicidade

    A ambição desmedida do poder combate-se com a ambição pelo ato mínimo, o fiador da justiça. E o mínimo é aplicar a lei, demovê-lo para investigação, pois quem o acusa é que o fez presidente. Não é traidor, pois, em política, Judas é quem não desconfia. A confiança absoluta é da ética das relações privadas, familiares.

    Nos últimos anos quem se enforcou na política o fez com corda que ele próprio teceu. O talismã dos brasileiros é sonhador, não age com fins materiais. Nem acredita na consistência das declarações dos que não querem fazer a vigília do fim que se anuncia.

     

    Paulo Delgado. É professor, sociólogo e consultor de empresas. Foi constituinte de 1988 e exerceu mandatos de deputado federal por Minas Gerais de 1986 a 2011. Articulista regular d’O Estado de São Paulo e assina a coluna de politica internacional dos Jornais Correio Braziliense e O Estado de Minas. É colaborador do Capital Político.

    Publicidade

    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Black Friday

    A melhor notícia da Black Friday

    BLACK
    FRIDAY

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de 5,99/mês*

    ou
    BLACK
    FRIDAY
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

    a partir de 39,96/mês

    ou

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.