Sem prejuízo do inquestionável direito de defesa e da preservação das prerrogativas dos advogados, inerentes à democracia, é preciso abrir uma discussão ética a respeito do alcance do sigilo legal.
É preciso repensar honorários advocatícios milionários de origem duvidosa e até mesmo criminosa protegidos por um sigilo legal inaceitável numa democracia moderna e em rota de colisão com a nova sensibilidade que exige absoluta transparência nos assuntos de interesse público.
Faço aqui uma analogia com um tema quente da ética jornalística: o direito à privacidade de figuras públicas.
Relembro, amigo leitor, uma análise que fiz a respeito do desnudamento mediático da relação amorosa do ex-presidente Lula e Rosemary Nóvoa de Noronha, ex-chefe do gabinete da Presidência de República em São Paulo.
A infidelidade conjugal do ex-presidente, conhecida nos bastidores das redações, foi escancarada em uma edição da Folha de S.Paulo: “Poder de assessora vem de relação íntima com Lula”, cravou a chamada de primeira página.
A jornalista Suzana Singer, então ombudsman daquele jornal, fez a indagação ética: “A Folha invadiu a privacidade de Lula? Sim. Era necessário? Sim”. As respostas de Suzana Singer às interrogações éticas, curtas e diretas, foram redondas. Concordei plenamente.
De acordo com a Policia Federal, Rosemary conseguiu, entre outras coisas, colocar, em postos estratégicos do governo, amigos corruptos que vendiam pareceres jurídicos favoráveis a empresários. Rose, gabando-se de sua relação íntima com Lula, tinha influência no Banco do Brasil (BB). Trabalhou pela escolha do então presidente do BB, Aldemir Bendine, e indicou diretores da instituição. Como foi possível que Rose, uma antiga secretária do PT, acumulasse tanto poder, a ponto de influenciar em setores nevrálgicos do governo? Tudo isso, rigorosamente de interesse social, só ganhou dimensão pública graças ao trabalho da imprensa.
Só isso, e não é pouco, já justificaria a invasão da privacidade do ex-presidente Lula. A defesa do direito à intimidade não pode ser usada para impedir a investigação e revelação pela imprensa de informações de evidente interesse público.
A evolução do alcance do direito à privacidade pode inspirar uma serena discussão sobre os limites do sigilo que protege os honorários dos advogados. Não existem direitos absolutos. A sociedade deve conhecer a origem e os valores que abastecem defesas milionárias. Pensemos numa situação extrema: é razoável que milhões de reais despejados na defesa de narcotraficantes permaneçam protegidos pela capa do sigilo? Dinheiro de corrupção, roubado da população, pode ir para o bolso de advogados, numa boa? E tudo protegido pela força do anonimato. É um tema polêmico? Sim. Mas como está não dá. Está na hora da OAB abrir uma discussão. Com serenidade, mas com seriedade.
Jornalista: difranco@ise.org.br