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História da Amazônia (por André Gustavo Stumpf)

A conta chegou

Por André Gustavo Stumpf
Atualizado em 18 nov 2020, 19h55 - Publicado em 1 out 2020, 12h00
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  • Quando Márcio de Souza, escritor e professor, nascido em Manaus, foi convidado pela Universidade de Berkeley, na California, para ministrar o curso chamado Images of the Amazon, ele esbarrou na realidade de não haver um livro sobre a história da Amazônia.

    Existem relatos parciais, obras de história dos estados do Amazonas, do Pará e do Acre. E narrativas de viagens de estrangeiros, observações científicas de pontos específicos da imensa área. Mas nenhuma visão abrangente sobre a região.

    O professor recolheu fragmentos dessas experiências, incluiu a sua, para escrever uma apostila, impressa no mimeógrafo em Berkeley, que, posteriormente, foi ampliada e transformada no livro História da Amazônia (editora Record, São Paulo, 2019).

    O texto é referência fundamental para quem deseja conhecer o que se passou naquela imensa região desde a chegada dos europeus à América. Eles buscaram meios e modos para lucrar na exploração dos enormes recursos naturais. O processo civilizatório foi violento. Incluiu uma guerra civil, a Cabanagem, que provocou a morte de quase trinta mil pessoas, um quinto dos habitantes da época.  Foi a revolta contra sua incorporação, à força, ao Império do Brasil.

    O povo do norte do país desejava permanecer ligado a Lisboa. Portugal era um Império organizado e mais tradicional que sua antiga colônia. O capitão inglês, John Grenfell, mercenário a serviço do Almirante Cochrane, ameaçou bombardear Belém, depois de prender e matar resistentes. As autoridades locais aderiram, contra vontade, à Independência do Brasil, em agosto de 1823.

    A vingança foi cruel. A Amazônia foi esquecida. Os governos brasileiros viraram as costas para os povos da floresta. O Marechal Rondon andou por Mato Grosso instalando postes da linha telegráfica, no início do século passado. A rodovia BR 364 caminha pela rota que o militar traçou. Hoje, os incêndios que lavram na Amazônia provocam brasileiros e estrangeiros.

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    Mas a discussão atual não admite vencedores. Cada um defende seu pedaço. Missões religiosas pretendem catequizar índios para ensiná-los a falar e ler algum idioma, que pode ser francês, inglês, alemão ou português.

    A borracha emergiu como produto capaz de gerar muito dinheiro no final de século 19. Manaus conheceu grande prosperidade. É dessa época a construção do magnífico Teatro Amazonas na cidade que foi a segunda no país a ser iluminada por eletricidade. Mas um inglês desqualificado chamado Henry Wickham, que vivia em Santarém, em 1876, levou 70 mil sementes de seringueira para o Real Jardim Botânico de Londres, que depois foram transplantadas para a Ásia. A Rainha Vitória condecorou Wickham com o título de cavalheiro do Império. E a Amazônia iniciou sua queda em direção à estagnação econômica.

    Nos Estados Unidos, Henry Ford iniciou a produção em série de seu Ford modelo T. Sucesso de vendas por ser veículo simples e barato. Mas automóvel precisa de pneu. Henry Ford imaginou criar na Amazônia um centro produtor de borracha. Conseguiu do governo do Pará a cessão da área de um milhão de hectares na região do alto Tapajós. No meio da selva amazônica criou uma cidade organizada, com ruas largas, praças e hospital: a Fordlândia.

    A história é longa e não cabe aqui. Os técnicos produziram incêndios para limpar o terreno. Fizeram grande fogo. Venderam a madeira e plantaram mudas de seringueira. O projeto não deu certo por várias razões. Entre eles, um fungo que se reproduz no ambiente amazônico e mata a planta. Não ocorre na Malásia.

    Ford conseguiu outra gleba em Belterra, nas proximidades de Santarém. Também não funcionou. Seu herdeiro, Henry Ford II, revendeu as glebas, com as benfeitorias, ao governo brasileiro em 1945.

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    Ironia é que as plantações de soja avançaram no centro-oeste brasileiro pelos caminhos de Rondon. Depois invadiram a região do Tapajós, onde se produz soja de alta qualidade. As multinacionais, estrangeiras, pressionaram o governo brasileiro para asfaltar a BR 163, a Cuiabá-Santarém, para escoar a produção pelos rios Tapajós e Amazonas. A estrada passa perto de Belterra e Fordlândia, que produziram pouco látex. Mas poderão exportar soja para a Ford Motor Company, que desenvolveu plástico de qualidade industrial feito a partir da planta.

    A verdade é que a Amazônia só passou a ser brasileira, de fato, depois que o presidente Juscelino Kubitschek inaugurou a rodovia Belém-Brasília, em 1960. Até então, era uma região distante, isolada, habitada por índios e visitada por personagens em busca de fortuna.

    As atuais questões amazônicas desconhecem a história e não registram que os brasileiros se limitaram a assistir aventureiros fazer e desfazer numa terra de ninguém. A conta chegou agora.

     

    André Gustavo Stumpf escreve no Capital Político. Formado em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), onde lecionou Jornalismo por uma década. Foi repórter e chefe da sucursal de Brasília da Veja, nos anos setenta. Participou do grupo que criou a Isto É, da qual foi chefe da sucursal de Brasília. Trabalhou nos dois jornais de Brasília, foi diretor da TV Brasília e diretor de Jornalismo do Diário de Pernambuco, no Recife. Durante a Constituinte de 88, foi coordenador de política do Jornal do Brasil. Em 1984, em Washington, Estados Unidos, obteve o título de Master em Políticas Públicas (Master of International Public Policy) com especialização política na América Latina, da School of Advanced International Studies (SAIS). Atualmente escreve no Correio Braziliense. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀

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