“O mundo em que minha mente vive, vive em minha mente”, esse é o mantra que orienta as composições do novo álbum do saxofonista Kamasi Washington Heaven and Earth. Lançado na semana passada (22/06), pelo selo inglês Young Turks, o disco representa a consolidação do inovador trabalho desse músico, que revolucionou o mundo do jazz em sua estreia com o álbum triplo The Epic, em 2015.

Heaven and Earth é um álbum duplo, totalizando 146 minutos, mais condensado que seu primeiro trabalho, que durava 172 minutos. Nele estão os mesmos elementos que caracterizam a proposta musical de Kamasi Washington, o famoso muro sonoro, formado por uma grande orquestra, um coro, e o duplo conjunto de jazz, com dois teclados, dois baixos, duas baterias, além dos sopros. Uma sonoridade envolvente, que conduz o ouvinte, encantado, em sua viagem.

Kamasi Washington explica que em Heaven and Earth ele tenta refletir sobre a dualidade do ser. “Earth representa o mundo, como eu o identifico externamente e Heaven, é a utopia, é como eu experimento mundo internamente. Criamos a realidade com o que pensamos e com o que acreditamos. Isso nos dá o poder de transformar o mundo naquilo que queremos que ele seja”.

Apesar da linguagem zen e meio exotérica, Kamasi Washington não está falando em transformar o mundo somente de uma perspectiva espiritual. A filosofia do álbum está expressa pela música que abre o primeiro cd, Earth, Fits of Fury. Ela é o tema do filme, A Fúria do Dragão (Fit of Fury – 1972), sucesso de Bruce Lee. A letra ressalta a fúria dos punhos contra a injustiça e ganha outra conotação com a militância de Washington no movimento Black Lives Matter.

Outra peça que se destaca no cd Earth é The Invincible Youth, com todas as transformações melódicas que o tema apresenta. Da introdução ao estilo free jazz, com o grito alto dos sopros, a música passa ao jazz funk ritmado e super melodioso. A ressaltar o solo do baixo elétrico do músico Thundercat, outro expoente de seu grupo.

Do segundo cd Heaven, o da utopia, Kamasi Washington comenta a composição Vi Lua Vi Sol, inspirada em uma amiga que conheceu numa viagem ao Brasil. Ela lhe contava que podia conversar com a Lua. O músico diz que morreu de inveja, queria também poder falar com a Lua, e escreveu esse tema pensando nelas, na amiga e na Lua.

Ainda no cd Heaven está a peça The Psalmnist, escrita pelo trombonista do grupo Ryan Porter, que introduz a melodia. Nela há espaço para toda a banda brilhar e mostrar um jazz de excelente qualidade.

No vídeo a seguir temos o clipe oficial do tema Street Fighter Mas, que está no cd Heaven. A música faz referência ao vídeo game Arcade, que era o refúgio de Kamasi Washington, na infância.

Flávio de Mattos é jornalista, escreverá aqui sobre jazz a cada 15 dias. Dirigiu a Rádio Senado. Produz o programa Improviso – O Jazz do Brasil, que pode ser acessado no endereço: senado.leg.br/radio