Se foi mais uma manobra diversionista para desorientar as investigações, a tentativa de envolver o presidente da República nos assassinatos da vereadora Marielle Franco e Anderson Gomes, terá sido o auge de um enredo que parece não ter limites.
Não deixa de ser estranho que o Ministério Público do Rio, mesmo com a comprovação de que o porteiro do condomínio onde tem residência Jair Bolsonaro mentira, insistisse em tornar o presidente da República mais um investigado pelo duplo homicídio.
Por experiência recente, o país já sabe as consequências de se ter um presidente da República investigado. Assim o governo de Michel Temer foi paralisado adiando, entre outras, a reforma da previdência. Na prática, Temer perdeu poder político e a retomada da economia recomeça um ano depois, quando ele acaba de ser absolvido
A gravidade de uma acusação contra o presidente da República, pelo dano que provoca ao país, impõe respaldo consistente. O episódio também é agravado pelo vazamento de processo em segredo de justiça, outro expediente inteiramente banalizado, principalmente por não gerar consequências.
O crime contra a vereadora e seu motorista, há mais de um ano, esteve sempre envolvido em mistério, versões desencontradas, mandantes suspeitos e, mesmo assim, a resistência à federalização das investigações permanece por parte do Ministério Público do Rio e do Psol, legenda que abrigava Marielle.
Se menos emocional no seu desabafo contra a tentativa de envolvê-lo a partir de um depoimento falso, o presidente Jair Bolsonaro poderia ter se alinhado aos que defendem a federalização das investigações, como já pediu a família de Marielle.
A ex-Procuradora-geral da República Raquel Dodge tentou sem êxito a federalização, sendo obstruída pelo próprio MP do Rio de Janeiro. Antes, o então ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, trabalhou no mesmo sentido. Agora, com mais um episódio mal explicado é difícil compreender a oposição a que a investigação seja conduzida em outras bases.
Um enredo com muitos suspeitos e poucos resultados acrescenta agora à lista nada menos que o presidente da República. Cessa a investigação, fica a suspeição, que não pode se estender no tempo.
Até aqui, a retomada da economia parece preservada do que se afigurava um escândalo, mas não passou de fake news . Mas a tentativa de investigar o presidente da República sem elementos consistentes para tal ficou no ar. A dúvida e a desconfiança não fazem bem à política e, menos ainda, à economia, que não pode prescindir da primeira para seu resgate.
O país parece viver um tempo de banalização também dos discursos radicais, como foi o caso desta quinta-feira em que o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), superestimando seus poderes, ameaçou com a volta do AI-5, em caso de radicalização dos movimentos de esquerda.
A declaração do novo líder do PSL tem por base os distúrbios recentes no Chile e em alguns países da América Latina. Mais uma vez fica a dúvida sobre o aval do presidente ao filho, como em todas as manifestações produzidas no âmbito familiar.
É uma declaração contra a ordem constitucional que mereceu imediata – e contundente – reação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que a classificou de repugnante apologia reiterada a instrumentos da ditadura e passível de punição.
No caso de Eduardo Bolsonaro causa espécie que uma declaração com potencial de agravar o ambiente da véspera tenha origem no próprio governo, considerando-se sua condição de aliado e líder do partido do presidente da República, também seu pai. Parece não perceber que, hoje, a maior fonte de problemas da economia é a instabilidade política.
João Bosco Rabello é jornalista do site Capital Político (capitalpolitico.com)