Augusto Aras é tão negacionista quanto Bolsonaro
Depois de cinco dias consecutivos com mais de mil mortos pela Covid-19 no Brasil, finalmente o procurador-geral da República, Augusto Aras, acordou e determinou a abertura de um inquérito no Superior Tribunal de Justiça.
Não tire conclusões apressadas. O inquérito não é para apurar a eventual omissão do governo federal no combate à pandemia do coronavírus que até aqui matou 209.350 pessoas, infectando quase 8.500 mil. Aras acha que não houve omissão.
Se omissão houve, foi do governador Wilson Lima (PSC), eleito há dois anos com o apoio de Bolsonaro, e da prefeitura de Manaus, comandada pelo recém-empossado David Almeida (Avante), na crise de saúde do Amazonas.
Embora tenha afirmado que levou em consideração o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que cabe à União, Estados e municípios atuarem em conjunto no combate à pandemia, Aras preferiu deixar a União de fora do inquérito.
Sabe como é. Antigamente – quer dizer: antes de Bolsonaro -, o presidente da República escolhia um dos três nomes mais votados pelos procuradores para o cargo de procurador-geral. No caso de Aras, ele sequer foi votado.
Daí que ele foi uma escolha pessoal de Bolsonaro, que não o nomearia sem a certeza de que Aras o protegeria e cumpriria todas as suas vontades. E assim tem sido. O procurador-geral da República deu lugar ao procurador-geral de Bolsonaro.
Só procura o que interessa ao presidente. E quando esbarra em algo que não interessa a ele, dá um jeito de não ver. E se por acaso for obrigado a ver, releva a importância do que viu. Aras sabia que seria assim e aceitou jogar o jogo.
No ano passado, não se pagava imposto para a compra a outros países de cilindros de oxigênio. Este ano começou com um imposto de 14% a 16%. O imposto pago na compra de armas era de 20% no ano passado. Este ano foi zerado.
Pelo menos desde o dia 23 de novembro último, segundo o jornal O Estado de S. Paulo, a Secretaria de Saúde do Amazonas sabia que a quantidade de oxigênio hospitalar disponível seria insuficiente para atender o recrudescimento da pandemia.
A informação consta de projeto básico, elaborado pela própria Secretaria, para a última compra extra do insumo em 2020. Principal fornecedora do Estado, a empresa White Martins teria conseguido atender ao pedido por mais cilindros.
Mas não houve pedido. Em dezembro, o governo do Estado, sob pressão de comerciantes bolsonaristas, relaxou as medidas de isolamento social, descartando qualquer possibilidade de endurecê-las depois. Bolsonaro festejou em vídeo.
Nesta semana, o estoque de oxigênio acabou nos hospitais de Manaus e pacientes começaram a morrer asfixiados. O ministro Eduardo Pazuello, da Saúde, esteve lá. Pôde ver o que acontecia, mas receitou o tratamento precoce com cloroquina.
Fez mais que isso. Obteve autorização do governo do Amazonas para que grupos de médicos e de servidores do ministério visitassem unidades de saúde em Manaus, orientando-as no uso de drogas contra o vírus comprovadamente ineficazes.
Uma cunhada de Pazuello avisou-o que tinha um familiar infectado pelo vírus e “sem oxigênio para passar o dia”, de acordo com a Folha de S. Paulo. Mas, sabe como é… Manda quem pode, obedece quem tem juízo. Pazuello tem juízo.
Essa é uma história de terror doméstico que chocou o país e o mundo e que não tem Dia D para acabar. A China anunciou que ajudará o Brasil com dinheiro, uma vez que seria difícil e demorada a operação de mandar cilindros de oxigênio.
A Venezuela é logo ali. E apesar de o governo Bolsonaro não reconhecer o governo de Nicolás Maduro e de apoiar o governo inexistente de Juan Guaidó, a ajuda da Venezuela chegará nos próximos dias. Vai recusá-la? Terá coragem para tanto?
Cerca de 100.000 litros de oxigênio foram carregados na Siderúrgica del Orinoco para seguir rumo ao Brasil em caminhões. Uma centena de médicos formados pela Venezuela em parceria com Cuba está disposta a ir para Manaus. E aí?
Tremenda saia justa para um governo de machos que detestam expor suas fraquezas.