Quem poderia dizer que o adjetivo covarde definiria o presidente Jair Bolsonaro, aquele que sempre posou de machão. Nos palanques ele desdenha dos mais de 135 mil mortos pela Covid-19 e dos brasileiros que seguem as regras sanitárias – “ficar em casa é conversinha mole para fracos”. É o atleta que desafiou a pandemia, o valentão que não tem papas na língua. Mas no Planalto é um presidente relutante e medroso, atormentado por invencionices conspiratórias, sem qualquer preparo ou gosto pela governança, para a qual ele e o seu time são os maiores impedimentos.
Nada, absolutamente nada que dependa de uma decisão de Bolsonaro anda. Corrigindo: quando anda é em acelerada marcha ré.
Eleito sob a égide do combate à corrupção e promessas de redesenhar o Estado, com pegada privatista, acabando com gorduras e regalias, Bolsonaro se move no sentido inverso dessa pregação.
Desautorizou o pacote anticrime do então superministro Sérgio Moro, degolado em nome de “interesses maiores”, diga-se, dos filhos e amigos do presidente. Quase melou a reforma da Previdência ao insistir em privilégios para algumas categorias, vencendo a batalha no que tange a mimos para os militares.
Não deu um pio sobre a reforma tributária, retirada da gaveta por iniciativa da Câmara, cuja participação do governo via Paulo Guedes é vergonhosa, com um projeto improvisado e tosco. Atrasou por mais de ano o envio ao Congresso da reforma administrativa. E só topou mexer nesse ninho de cobras com responsabilidade zero, mantendo intocáveis os peçonhentos. Mudanças, só para o futuro, sem triscar um milímetro do serpentário.
Arremessou para as calendas as privatizações, incluindo aquelas de esqueletos como a estatal criada pela presidente cassada Dilma Rousseff para gerenciar o imaginário trem bala. Ou a EBC, que, quando era candidato, chamava de TV Lula e dizia ser cabide de emprego para correligionários do petista. A TV Brasil que Bolsonaro prometera fechar é hoje menina dos olhos dos militares, com orçamento garantido.
Entre fantasmas e comunistas à solta, Bolsonaro convive com aflições mais palpáveis: os imbróglios dos filhos e um improvável, mas não afastado de todo, processo de impeachment, cuja condição política está obrigatoriamente associada à popularidade do mandatário. Há mais de 50 requerimentos pró-cassação dele na Câmara, dois no STF, e um processo no TSE, este por uso de caixa 2 para impulsionar redes sociais.
Não à toa, Bolsonaro se embrenhou na corrida alucinada atrás de apoio popular. Antes de ser eleitoral, o movimento exprime o temor de perder o mandato e, claro, a proteção do seu clã. Aproveita-se do auxílio emergencial para firmar-se, inventa eventos e convoca aglomerações, tirando o máximo que pode do palanquismo.
O medo de ser cassado é tamanho que o levou a produzir uma das peças mais nonsense da República: um veto acompanhado de um apelo para que o Congresso derrube o veto. No caso, a suspensão das multas fiscais de templos e igrejas. Para agradar sem abrir flancos, Bolsonaro disse aos deputados que gostaria de fazer cafuné nos pastores com o veto deles ao veto dele. Um acinte duplo.
Ao Congresso também caberá tratar da renda complementar continuada depois de o presidente chutar o Renda Brasil, em um movimento magnífico para a plateia. “Não vou tirar dos pobres para dar para os paupérrimos”, repetiu com indignação ao passar mais um pito em Guedes, cuja equipe imaginou congelar benefícios de aposentados para custear o programa futuro.
De duas, uma, ambas péssimas: ou o enfurecido Bolsonaro fingiu nada saber e apenas teatralizou sua reação para os fiéis, ou desconhecia mesmo o quão curto é o cobertor, escancarando o completo divórcio entre ele e seu próprio governo, entre ele e o país.
A desordem é tão gritante que, sem força ou possibilidade de diálogo interno, o ministro Milton Ribeiro teve de apelar aos deputados por mais dinheiro para a educação. Suas críticas à equipe do ex Abraham Weintraub foram tão agudas que pareciam vindas de opositores ferrenhos, categoria em falta no momento.
Bolsonaro, aquele que já desafiou o povo a enfrentar a Covid-19 “como homem, não como moleque”, pode parecer destemido quando fala do vírus que ele transformou em embate político. Ao contrário do que ele imagina, não é ele que detém a força. Ela está nos mais de 85% dos brasileiros que usam máscaras para se proteger, dos que temem contrair ou propagar uma doença letal. Muitos que até votaram nele acreditando nas reformas que não vieram, no combate à corrupção que não mais existe.
Os 38% de aprovação em pesquisas de opinião e os empurra-empurra nos aeroportos e eventos feitos para a claque podem até impedir o andamento de processos de impeachment. São escudos úteis para sua incapacidade de governar. Mas, a mais de dois anos de 2022 e com o país mergulhado em crises cumulativas, têm significado relativo. Não garante a eleição de ninguém. Muito menos dos covardes.
Mary Zaidan é jornalista