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Como o governo tem contribuído para a matança do Covid-19

Parceiros na tragédia

Por Ricardo Noblat
Atualizado em 24 jul 2020, 10h23 - Publicado em 24 jul 2020, 08h00
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  • O mundo quase desabou sobre a cabeça do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, quando ele alertou o Exército para o risco de tornar-se sócio do governo do presidente Jair Bolsonaro na política “genocida” de combate ao coronavírus.

    O governo fingiu que não fora ele o alvo da crítica, mas as Forças Armadas. O ministro da Defesa e os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica vestiram a carapuça e pediram para que o ministro fosse processado com base na Lei de Segurança Nacional.

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    Virou moda invocar a Lei de Segurança Nacional, uma herança da ditadura militar de 64, para calar ou intimidar os que criticam atos do governo. Tenta-se limitar o direito à expressão de pensamento, a não ser em casos de notícias falsas distribuídas por bolsonaristas.

    O Ministério da Saúde está há mais de dois meses sob o comando de um general e de duas dezenas de militares. Quem entende de Saúde é médico – os dois ministros anteriores eram médicos. Quem entende de guerra é militar. Daí, o alerta feito por Gilmar.

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    Como reagiria o Exército se, de repente, digamos que para atrair o apoio do Centrão no Congresso, Bolsonaro começasse a nomear civis para o comando de tropas ou para outros cargos reservados a militares? Ele não faria isso, é claro, mas o contrário faz.

    Nas últimas 72 horas, uma sucessão de fatos, e sua conexão com outros já conhecidos, reforçou a suspeita de que o governo está pouco ligando se seu comportamento em relação ao vírus poderá ou não resultar numa espécie de genocídio. Alguns desses fatos:

    * No país do presidente garoto propaganda da hidroxicloroquina, uma pesquisa feita em 55 hospitais, e capitaneada pelos mais importantes deles, concluiu que o uso da droga não funciona em pacientes com sintomas leves ou moderados de coronavírus;

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    * Relatório do Tribunal de Contas da União aponta que dos quase 39 bilhões de reais liberados para o combate ao vírus, o Ministério da Saúde só gastou até agora cerca de 11 bilhões – um terço;

    * Rio e São Paulo estão entre os três Estados com maior número de mortos pelo vírus e, no entanto, estão também entre os três Estados que menos receberam verbas do governo federal para o combate à pandemia, a levar-se em conta o tamanho de suas populações. O que os dois Estados têm em comum? Seus governadores são desafetos políticos de Bolsonaro;

    * Descobriu-se que em maio último, o Comitê de Operações de Emergências do Ministério da Saúde avisou por escrito ao general Eduardo Pazuello, ministro interino, que “toda pesquisa leva a acreditar que o distanciamento social é favorável para a população e o retorno da economia mais rápido”. E que “medidas sociais drásticas dão resultados positivos”. Sem elas, seria “necessário um tempo” de um a dois anos “para controlarmos a situação”. O ministro ignorou o aviso. E em 19 de junho, quando o país já somava mais de 49 mil mortos, baixou uma portaria onde defendeu o retorno das atividades e enfatizou os benefícios do convívio social;

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    * No início de julho, Bolsonaro vetou a obrigatoriedade do uso da máscara de proteção individual em órgãos e entidades públicas e em estabelecimentos comerciais, industriais, templos religiosos, instituições de ensino e demais locais fechados em que haja reunião de pessoas;

    * Após passar por três fases, um estudo conduzido pela Universidade Federal de Pelotas para estimar a disseminação da Covid-19 em diferentes cidades do país e analisar a evolução de casos da doença ainda não teve financiamento renovado pelo Ministério da Saúde. Há mais de um mês que a renovação está sendo discutida;

    * O general Pazuello disse ontem em Curitiba que doentes que não apresentam os sintomas não transmitem a doença: “Se o caso é assintomático, ele está trabalhando, mas também não transmite”. Errou feio! Em junho, a Organização Mundial de Saúde confirmou que pacientes assintomáticos podem, sim , transmitir a Covid-19.

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    A vantagem de cercar-se de militares é que eles obedecem. Missão dada, missão cumprida. Se tudo isso e muito mais não caracteriza uma política para deixar morrer quem tenha de morrer, e contaminar-se quem tiver de ser contaminado, caracteriza o quê?

    Em tempo: nas últimas 24 horas, enquanto o país registrava 1.317 mortes e 58.080 novas infecções, Bolsonaro passeou de moto e sem máscara nos amplos jardins do Palácio da Alvorada. Depois correu atrás de uma ema com uma caixa de cloroquina nas mãos.

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