Ninguém poderia se dar ao luxo de priorizar o supérfluo quando o essencial agoniza. Mas nem os 13,4 milhões de desempregados, a economia estagnada, beirando a recessão, a violência crescente, a miséria abundante, a saúde e educação em frangalhos, afastam o presidente Jair Bolsonaro de privilegiar uma agenda acessória, limitada aos seus fiéis.
Contrariando o bom senso para satisfazer sua visão particular entre o que é bom ou mal para o cidadão, Bolsonaro insiste em dar peso a matérias secundárias. Não raro, como fez na ressureição da ideia insana de uma moeda única para Brasil e Argentina – “uma trava para aventuras socialistas na América do Sul” -, parece estar enredando a todos em manobras diversionistas.
O mesmo vale para a suspensão da multa por transportar crianças sem cadeirinha. Ideia absurda que consumiu energia que deveria estar direcionada à gravidade dos problemas do país, que passam longe do assento infantil no banco de trás. Ainda que possam ser discutidas, mudanças no Código Nacional de Trânsito não são questões que mereceriam marcha do presidente ao Congresso Nacional para marcar o início da tramitação.
Além do perdão para os pontos na carteira de motorista, que ele próprio e o seu clã somam acima do permitido, Bolsonaro aposta na popularidade do afrouxamento de regras. Sabe que a maior parte delas deverá ser rejeitada no Parlamento, a quem ele atribuirá o ônus da derrota de parte da proposta estapafúrdia que fez. Ou seja, populismo puro.
Promessa de campanha, o projeto de lei que flexibiliza a posse e o porte de armas também vai na mesma linha. Mistura a crença pessoal discutível de que a arma protege a vida e o patrimônio – embora ele já tenha perdido sua arma para um bandido durante assalto -, com o prazer que o capitão e sua prole têm de dar tiros.
Quem pode ter armas de fogo e andar armado, quantas armas cada um pode ter e quantas centenas de balas foram itens fixados sem qualquer critério técnico, na contramão de especialistas em segurança pública e sem o aval do ministro da área, Sérgio Moro. Quisera o ex-juiz que o presidente tivesse apenas um tiquinho do empenho dedicado às armas ao pacote anticrime e anticorrupção – dois pontos cruciais para um país mergulhado na violência e vitimado por toda sorte de roubalheira -, na prática, renegado pelo capitão a segundo ou terceiro planos.
Além de atirar, o presidente gosta de pescar. Multado em 2012 pelo Ibama por lançar seu anzol nas águas da Estação Ecológica de Tamoios, em Angra, Bolsonaro antecipou como costuma agir e como elege suas prioridades. Deputado federal à época, ele apresentou um projeto de lei que impedia fiscais ambientais de portar armas, algo nada condizente com o parlamentar pró-bala. Presidente, ele não só demitiu o fiscal como já anunciou que pretende transformar a sua área de pesca predileta em uma “Cancún brasileira”.
Em comum, todas essas questões têm a prevalência da motivação pessoal em detrimento da coletividade. Nem todos os números que mostram a descrença da população em armas – 73% dos brasileiros ouvidos pelo Ibope são contra a flexibilização do porte e 61% contra a posse -, ou os que apontam mais de 47 mil mortos no trânsito e outros 20 mil inválidos, são capazes de convencê-lo da estultice e irresponsabilidade de afrouxar regras em legislações que mexem com a vida e a morte.
Ele se move por voluntarismo, cujo efeito deletério o país já conhece, associado a agrados baratos e linguajar fácil para o “povão”, mesmo método que assegurou a popularidade de Lula, hoje preso em Curitiba. Parece ter aprendido ainda a arte de tergiversar. Lança uma ideia estapafúrdia por dia, ocupando todos os espaços com debates inócuos que acabam por escamotear sua incapacidade de governar.
Como bom populista, aposta na periferia, em questões que movem corações e copos nas mesas de bar e nos porres virtuais. Mas nada tem de tolo. Qualquer coisa que der certo – mesmo aquelas como a Reforma da Previdência, para a qual teve empenho próximo de zero -, o mérito será seu. O que falhar ficará na conta do Congresso.