A eleição do medo que vence o medo
E a esperança? Vai ficar para outra ocasião, bem como o debate aprofundado
Num passado historicamente recente, embora pareça distante, houve uma eleição marcada pelo lema da esperança que venceu o medo. O pleito de 2018 provavelmente ficará conhecido como a eleição do medo – porque tudo indica que, de uma forma ou de outra, ele vai acabar vencendo. Trava-se uma disputa entre o temor dos antipetistas, que preferem engolir a agenda regressiva de Jair Bolsonaro a ver o PT de volta ao Planalto, e o dos que pressentem o retrocesso político e democrático que a eleição do capitão deputado pode representar e votarão em qualquer um menos nele. Ganha o candidato que conseguir apavorar mais o eleitor em relação ao adversário.
No alvo, sobretudo aquela fatia de cerca de 30% do eleitorado que não está nem num canto nem noutro do espectro político-ideológico e que, ao fim e ao cabo, pode decidir a eleição. Para esses eleitores, será uma espécie de escolha entre o medo maior e o medo menor. E a esperança? Vai ficar para outra ocasião, bem como o debate aprofundado e necessário em torno das propostas para o país.
Se o medo é o nome do jogo, as estratégias passaram a girar em torno dele a partir das últimas pesquisas, que mostraram Fernando Haddad crescendo velozmente, alimentado por uma transfusão de Lula na veia, e disputando o segundo turno com Jair Bolsonaro, que hoje, de seu quarto hospitalar, lidera a corrida.
Num último e desesperado esforço, o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, nos mesmos 7% que tinha antes do início da propaganda na TV, recorre ao terror. Atira em Bolsonaro em inserções, como a que mostra o deputado agredindo verbalmente uma jornalista, e apela ao antipetismo repetindo insistentemente que levar o deputado ao segundo turno equivalerá a botar o PT no Planalto.
A pouco mais de duas semanas da eleição, vai ser difícil para Geraldo recuperar os votos que um dia foram do PSDB e crescer o para entrar na cena final desse thriller. Mas sua propaganda reforça o medo e torna o ambiente eleitoral mais sombrio.
Prova viva de que a propaganda na televisão não tem mais aquela influência toda, Bolsonaro continua sentado na frente no trem fantasma. Só que agora tenta controlar seu vice, general Hamilton Mourão, e seu economista, Paulo Guedes, que andaram infundindo medo em muita gente nos últimos dias. Mourão assustou ao acenar com a elaboração de uma nova Constituição sem Assembléia Nacional Constituinte ou coisa que o valha. Guedes falou em recriar a CPMF, apavorando quem vai pagar. Por enquanto, porém, o candidato do PSL ainda é o preferido do mercado, que se péla de medo do PT.
Justamente por isso, Fernando Haddad deflagrou antecipadamente uma estratégia para mostrar ao mercado e às forças ligadas ao PIB que não é bicho-papão. Era coisa para o segundo turno, mas o petista e aliados, com o aval daquele numa cela em Curitiba, já saíram a campo para mostrar que o PT pode estar mais à esquerda no discurso de campanha, mas que a prática será responsável. Haddad negou que vá dar indulto a Lula – certamente em declaração acertada com o próprio – e renegou ideias como a de que a reforma da Previdência não seria necessária.
O medo é um sentimento terrível, que desorienta e paralisa. Mas o voto amedrontado vale tanto quanto o da esperança na urna. A diferença vem no dia seguinte. Apuração concluída, será preciso um enorme esforço, de quem ganhou e de quem perdeu, para superar o trauma de uma eleição em que um medo derrotou outro e tocar a vida em frente.
Helena Chagas é jornalista desde 1983. Exerceu funções de repórter, colunista e direção em O Globo, Estado de S.Paulo, SBT e TV Brasil. Foi ministra chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (2011-2014). Hoje é consultora de comunicação