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A Constituição no caminho (por João Bosco Rabello)

Bolsonaro x STF

Por João Bosco Rabello
Atualizado em 30 jul 2020, 18h54 - Publicado em 26 Maio 2020, 12h00
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  • O recurso à Lei de Abuso de Autoridade pelo presidente Jair Bolsonaro para contestar a quebra de sigilo do vídeo da reunião ministerial é mais um capítulo do enfrentamento que se dispôs a sustentar contra o Supremo Tribunal Federal. Do ângulo jurídico a menção é absolutamente vazia, mas cumpre o objetivo de intimidação.

    O presidente mostra que levará adiante seu propósito de desqualificar as decisões da instância máxima do Poder Judiciário. Na verdade, os ataques constantes ao STF refletem a sua inconformação com o texto constitucional de 88, do qual a Suprema Corte é a guardiã e maior intérprete.

    Nossa constituição tem problemas e jamais foi unanimidade – nem será. O ex-presidente José Sarney vaticinara que ela tornaria o país ingovernável. O advogado Saulo Ramos, embora considerasse que cumpriu seu objetivo no essencial, a ironizava em muitos aspectos. Nelson Jobim, que dela participou, considerou certa vez que foi feita com “os olhos no retrovisor”.

    Vê-se, portanto, que dela sempre houve queixas, esteve no caminho de muitos presidentes e governos. Não faltou a muitos o desejo de revogá-la, mas a ninguém foi dada a ousadia para tal. Quem teve força parlamentar obteve mudanças. É o caminho da luta política. Só no ano passado foi aprovada a reforma da Previdência.

    Mas, na falta de uma base parlamentar para alterá-la, o presidente pretende um STF acuado. Vale lembrar sua frase à porta do Palácio da Alvorada: “Eu sou a Constituição”.

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    O meio, mais uma vez, foi o twitter, um dos mais eficientes no universo digital para o exercício da chamada democracia direta, que ignora a representatividade parlamentar. Bolsonaro conquistou a maioria necessária à sua eleição, mas não a maioria dos eleitores, se considerado o nível de abstenção no pleito.

    Tem sido assim no Brasil, mas governar exclusivamente para os seus, não foi um bom caminho para os que precederam Bolsonaro no poder. Ao escolhê-lo, ignorando o universo total de eleitores, representado no Congresso Nacional, o presidente se entrega a uma espécie de darwinismo político e social, que defende também para enfrentar a pandemia.

    Durante a reunião ministerial, o ministro da Economia, Paulo Guedes, foi nessa linha ao defender o uso de recursos públicos para salvar grandes companhias e excluir as pequenas empresas. “Nós vamos ganhar dinheiro usando recursos públicos pra salvar grandes companhias. Agora, nós vamos perder dinheiro salvando empresas pequenininhas”. Isso explica o fato de 86% das “pequenininhas” terem seus pedidos de crédito negados.

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    É um pensamento alinhado ao do presidente da República, mas não o único. Quem não se alinhou, virou passado, inclusive dois ministros da Saúde, em plena pandemia. Nesse contexto, não é difícil compreender a ira do ministro da Educação, Abraham Weintraub, ao pregar a prisão dos ministros da Suprema Corte, após (des) qualificá-los como vagabundos.

    A rigor, em circunstâncias institucionais normais, Weintraub estaria demitido em seguida à divulgação do vídeo, em nome da harmonia entre os poderes. Não há, porém, como fazê-lo sem comprometer o governo com sua declaração, pois não foi admoestado em nenhum momento da reunião.

    O twitter presidencial indica que isso não representa constrangimento, pois sem sequer esboçar uma explicação, ainda que precária, para o episódio, reforça alinhamento com a fala do ministro.

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    O ambiente institucional continuará ruim por muito tempo, pois já está claro que a contestação ao STF é, na verdade, uma forma de contornar, pela via direta com a população, os limites impostos aos poderes da república pela Constituição Federal.

    Isso não dá ao presidente a carta branca que deseja para governar ao seu modo, mas corrói a estabilidade institucional para abrir caminho a uma crise mais séria.

     

    João Bosco Rabello. Jornalista há 40 anos, iniciou sua carreira no extinto Diário de Notícias (RJ), em 1974. Em 1977, transferiu-se para Brasília. Entre 1984 e 1988, foi repórter e coordenador de Política de O Globo, e, em 1989, repórter especial do Jornal do Brasil. Participou de coberturas históricas, como a eleição e morte de Tancredo Neves e a Assembleia Nacional Constituinte. De 1990 a 2013 dirigiu a sucursal de O Estado de S. Paulo, em Brasília. Recentemente, foi assessor especial de comunicação nos ministérios da Defesa e da Segurança Pública.

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