O resultado das vendas aquém do esperado durante a Black Friday acendeu o sinal de alerta e pode se repetir durante o Natal e fim de ano, tradicionalmente o segundo melhor período do ano para o varejo no País (só costuma perder para o Dia das Mães). A avaliação é de Márcio Alencar, diretor de Negócios da Alelo, bandeira especializada em benefícios, incentivos e gestão de despesas corporativas. “A associação entre os juros altos e o alto índice de famílias endividadas nos leva a crer que o poder de consumo do brasileiro seguirá em baixa, e a Black Friday está aí para confirmar isso. A projeção é de que se repita também no Natal e nas festas de final de ano o que vimos agora em novembro”, disse ele, em conversa com a coluna.
Na semana que vem, a empresa vai divulgar novos resultados de pesquisa sobre consumo em supermercados e restaurantes, agora referentes a outubro. Feita em parceria com a Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), a sondagem já havia mostrado em setembro certa cautela do consumidor no boca do caixa. Só no caso dos restaurantes, o valor total gasto no mês foi 34,5% menor do que o observado no mesmo mês de 2019 (antes, portanto, do início da pandemia), já descontada a inflação.
A Black Friday teve recuo inédito de mais de 20% nas vendas neste ano, levando analistas a revisar para baixo as previsões de desempenho do comércio no fim do ano, em especial no Natal – segundo maior momento de vendas, perdendo apenas para o Dia das Mães. A que atribui esse resultado?
Acredito que isso se deva a uma insegurança financeira que ainda estamos passando no País, atrelada também à alta da taxa Selic que, desde a última edição da Black Friday, quase dobrou e que acarretou o encarecimento do preço dos produtos, em sua grande maioria de bens duráveis. Como consequência, vemos que isso reduziu drasticamente o poder de consumo da população. Vimos também que a Copa do Mundo pode ter dispersado a população para as ofertas que eram oferecidas, o que fez com o foco não estivesse, de fato, nas promoções.
O índice divulgado por vocês referente a setembro já mostrava que o comércio (supermercado e restaurantes) enfrentava uma estagnação no consumo. Inflação e juros altos são responsáveis? Ou seja, o brasileiro mudou seu hábito de consumo e está mais comedido?
A estabilidade que temos notado é no curto prazo, ou seja, os últimos meses. A maior parte da inflação se deu no passado que, por sua vez, pressionou mais supermercados do que os serviços. O que vemos hoje é que a pandemia provocou uma migração do consumo de alimentos de restaurantes para supermercados e, desde a reabertura, esse processo sofreu uma reversão, muito por conta de as pessoas estarem voltando a frequentar ambientes e eventos sociais, indo ao trabalho presencial etc. Outro ponto importante a ressaltar é que o aumento do turismo tende a impulsionar bares e restaurantes. Mais recentemente, com “a volta ao novo normal”, esses estabelecimentos também passaram a repassar aumento de custo aos trabalhadores. Em suma, o que os índices mostram é que estamos no “pós-pandemia” e que tanto a covid-19 quanto a inflação ainda exercem efeitos sobre o consumo. A verdade é que o brasileiro tende a se adaptar às suas condições financeiras, seja fazendo trocas entre produtos, reduzindo produtos mais caros, freando gastos desnecessários, etc.
Como vê o comportamento do brasileiro, consumidor, diante do acúmulo de datas como Black Friday, Copa do Mundo, Natal e fim de ano – datas historicamente espaçadas. O acúmulo de datas que incentivam o consumo impacta o comércio de forma negativa, na medida em que é um único bolso para tantas datas em curto espaço de tempo?
Pelo que vimos, sim. A associação entre os juros altos e o alto índice de famílias endividadas nos leva a crer que o poder de consumo do brasileiro seguirá em baixa, e a Black Friday está aí para confirmar isso. A projeção é de que se repita também no Natal e nas festas de final de ano o que vimos agora em novembro.
Voltamos, enfim, ao Natal das lembrancinhas?
A Black Friday gerou expectativas a respeito do adiantamento das compras do Natal, mas como falamos anteriormente ficou abaixo do esperado. Ainda que haja uma expectativa dos comerciantes acerca dessa data, acredito que o consumidor vai pensar duas vezes antes de gastar com presentes, dado o alto grau de incerteza política e sem melhora na renda a curto prazo, o que leva o consumidor a economizar.
Na semana que vem, vocês devem divulgar pesquisa relacionada ao mês de outubro deste ano. O que vem por aí nesse índice? O que ele tem demonstrado sobre o comportamento do brasileiro nos supermercados e restaurantes?
Não vemos uma mudança significativa pela frente, talvez comecemos a sentir uma melhora nesses segmentos nos meses de novembro e, principalmente, em dezembro dado a sazonalidade natural.
O que se aprendeu até agora com esse índice?
Temos importantes lições até agora, mas sem dúvida a principal é a mudança de comportamento do consumidor em relação ao consumo de alimentos fora do lar que, mesmo depois do controle da covid, ainda não se recuperou ao estágio pré-pandêmico. Nossa leitura é de que o modelo híbrido de trabalho nos grandes centros urbanos chegou para ficar, e isso traz um impacto para bares e restaurantes.
2023 está aí. O que esperar para os primeiros cem dias de novo governo?
Ainda há muitas incertezas para o próximo ano, sobretudo sobre o Auxílio Brasil, que hoje complementa a renda familiar de muita gente. O alto nível de endividamento, que hoje compromete quase 29% da renda dos brasileiros, com certeza vai ditar o comportamento do consumidor em 2023. Há também a redução na projeção do PIB para o próximo ano, que deve ficar abaixo de 1%, segundo os analistas de mercado, o que implica diretamente na desaceleraçãono desempenho de consumo.