Nunca na história deste País, um presidente da República falou tão mal, tantas vezes seguidas, do presidente do Banco Central. Só na semana passada, Lula usou entrevistas em quatro dias consecutivos para acusar Roberto Campos de Neto de: ter “lado político”; ser seu “adversário ideológico”; conduzir uma política monetária “desajustada”; e trabalhar contra o País, porque não segue uma meta de crescimento do PIB. E isso tudo em plena semana de reunião do Copom – talvez a mais importante dos últimos tempos, depois do racha que marcou a decisão do colegiado em maio.
Na eleição de 2022, Campos Neto apareceu para votar vestindo uma camisa da seleção brasileira de futebol, símbolo nacional que acabou sendo sequestrado pelos bolsonaristas (tempos mais tarde, ele se disse “arrependido” do gesto). Há cerca de duas semanas, foi o convidado principal de um jantar oferecido pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que tem feito de tudo para manter o apoio da base do ex-presidente Jair Bolsonaro (durante o evento, segundo informação de jornais, Campos Neto teria se oferecido para ser ministro num eventual governo Tarcísio).
Quem já sentou na cadeira do BC, sabe que, em ambos os casos, essas não são atitudes de alguém que tem o poder de influenciar expectativas no mercado e a tarefa de zelar pela estabilidade da moeda. Mas Lula também não pode usar as críticas contra Campos Neto para varrer para debaixo do tapete as responsabilidades do atual governo pela manutenção de uma política monetária mais restritiva.
Há alternativas à imposição de taxas de juros em patamares mais elevados por mais tempo? Ou seja, juros mais baixos também têm eficácia contra a inflação? Sim, esse caminho existe, mas Lula até agora não demonstrou interesse em segui-lo. É o das reformas estruturais.
Durante o governo de Michel Temer (outro alvo de críticas dos petistas), a Selic caiu de 14,25% para 8,25%, com efeitos positivos para o crescimento da economia. Não houve mágica, nem o BC teve de trabalhar sozinho para derrubar os juros. Entre as medidas adotadas pelo governo, duas devem ser destacadas. A primeira foi a criação do antigo teto de gastos, interrompendo a trajetória de crise fiscal herdada do governo Dilma Rousseff. A outra, que atuou muito mais no campo das expectativas, foi a retomada da credibilidade do BC na formulação da política monetária. Em 2012, sob a gestão Alexandre Tombini, a autarquia cortou os juros a mando do Executivo, sem critério técnico, e acabou alimentando a inflação nos meses seguintes.
No plano micro das reformas, o governo Lula tem um troféu pela metade para exibir: a aprovação da reforma tributária sobre bens e serviços. Mas ainda falta sua regulamentação, e é difícil acreditar que o governo terá força e interesse político para resistir aos lobbies por mais benefícios e concessões; nesse campo, o governo ainda deve a apresentação de um projeto para reformar os impostos sobre a renda e o patrimônio. A criação do arcabouço fiscal, substituto do teto de gastos, se mostra a cada dia menos consistente, já que falta uma parte importante nessa equação para que os números não fiquem só no papel: o corte de gastos.
Lula não quer ouvir essa palavra – corte-, mas o fato é que as despesas obrigatórias correm num ritmo acelerado para engolir o que ainda sobra de espaço para os gastos discricionários, como custeio e investimento. Não é por outra razão que as críticas da semana passada a Campos Neto – mesmo que parte delas possa ter algum sentido político – foram lidas no mercado como uma atitude diversionista para escamotear as falhas e omissões do governo. Lula dá entrevistas, e o dólar sobe. Fechou na sexta-feira a R$ 5,44, uma alta de 1,09% só na semana em que o presidente desandou a falar contra o BC.