Na noite de terça-feira passada, em encontro que não estava na agenda dos participantes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reuniu com parte de sua equipe econômica para avaliar as medidas de um prometido pacote de corte de gastos. Ao longo daquele dia, a falta de informações mais concretas sobre os cortes havia ajudado a catapultar o dólar para a estratosférica casa dos R$ 5,76 (na sexta-feira, a cotação foi ainda mais longe, para R$ 5,86). Principal defensor do pacote, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi o centro das atenções, mas chamou a atenção de muita gente a presença também de Gabriel Galípolo, atual diretor de Política Monetária do Banco Central e que assumirá o comando da autarquia a partir de 2025.
Desde o início, pesou sobre a indicação de Galípolo a desconfiança de que, dada sua proximidade com o Palácio do Planalto, ele pudesse ser influenciado por Lula e pela ala política do governo nas suas decisões sobre a taxa básica de juros – algo que deveria se pautar por critérios técnicos. Lula nunca escondeu de ninguém sua contrariedade com o aumento da Selic. Assim, seria lógico imaginar que a presença de Galípolo no encontro fosse vista no mercado como extemporânea. Mas não foi o que a coluna ouviu de vários banqueiros e de gente do mercado.
Atual ocupante da presidência do BC, Roberto Campos Neto tem repetido que a política monetária não pode andar sem a ajuda da política fiscal. E o que tem acontecido hoje, em grande medida, é que essas duas pontas estão dissociadas: de um lado, o BC voltou a apertar os juros para tentar frear o risco de uma recidiva da inflação; a questão é que, do outro lado, o governo federal continua a imprimir uma política monetária expansiva, de olho nos ganhos políticos de uma aceleração do PIB, mas que tem como efeito indesejado mais pressão sobre a inflação.
“Tem de participar (da reunião), até para tomar uma decisão mais bem embasada no Copom”, resumiu um desses banqueiros, sobre a presença do futuro presidente do BC na reunião da semana passada, realizada no Palácio da Alvorada. Desta vez, a avaliação é de que a proximidade entre Galípolo (que já foi o número 2 da Fazenda) e Lula pode ser útil no esforço de Haddad para fazer passar o pacote de corte de gastos.
Não é de hoje que o governo tem sido cobrado a apresentar medidas para uma redução mais estrutural dos gastos, considerando a estimativa de trajetória de aumento da dívida pública. Mas o estresse dos últimos dias tem o dedo do ministro da Fazenda, que prometeu para “depois das eleições” algum tipo de anúncio. Isso acabou não acontecendo, e o mercado cobrou seu preço. Sob pressão, Haddad acabou tendo de cancelar uma viagem que faria nesta semana à Europa. Oficialmente, o ministério divulgou que o ministro vai se dedicar a “temas domésticos”.
O aumento da pressão por redução de despesas e a disparada do dólar chegam a poucos dias da próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, que nesta quarta-feira definirá a nova Selic. Já está precificado no mercado uma nova alta, desta vez de 0,5 ponto porcentual. Não se sabe se Galípolo terá alguma influência sobre Lula. O bom senso recomenda se preparar para dias ainda mais desafiadores.