A pandemia de Covid-19 parece entrar em seu ciclo final. Agora, a vacinação e as práticas de higiene e de distanciamento social devem prosseguir derrubando o número de óbitos. Que assim seja. A sensação de normalidade deve ganhar corpo com a volta de eventos presenciais importantes. Que reflexões devemos fazer sobre a saída da Covid-19 do centro da cena cotidiana? As primeiras devem se relacionar ao que se descobriu com a pandemia. As demais dizem respeito ao que devemos priorizar daqui para a frente.
A primeira descoberta refere-se à importância da economia informal na dinâmica econômica do país. Pelo menos 39 milhões de brasileiros estão na economia informal. Talvez o número seja até maior. Tal constatação foi o que motivou a oferta de auxílios emergenciais além do Bolsa Família, impedindo uma tragédia econômica total.
A segunda descoberta foi que o Brasil deve muito ao seu Sistema Único de Saúde e à nossa cultura de vacinação. Sem o SUS e sem a capacidade de vacinar, o desastre certamente teria sido pior. A terceira é que o Brasil foi altamente incompetente ao lidar com o problema, mesmo sendo avisado com tempo hábil para evitar a escalada de mortes. O número de óbitos poderia ser significativamente menor se tivéssemos começado a vacinação mais cedo.
A quarta descoberta é que o Brasil pode ser bastante eficiente com o trabalho a distância devido à sua infraestrutura de comunicações — que não colapsou, apesar da sobrecarga de utilização — e à capacidade de adaptação do brasileiro às circunstâncias adversas.
“Burocracia, sistema tributário complexo e falta de competitividade geram desigualdade, desemprego e precária distribuição de renda”
A quinta descoberta é que temos a certeza de que o considerado normal daqui para a frente não será igual ao considerado normal até então no mundo. Sobretudo pelos impactos econômicos, sociais, urbanos e políticos gerados pela disseminação do novo coronavírus.
Assim, o Brasil pós-Covid deve se preparar para lidar com as sequelas da pandemia, bem como com as questões preexistentes agravadas por ela. No campo econômico, a criação de políticas sociais mais robustas deve ser prioridade. Ainda que estejamos preocupados com a questão fiscal, não haverá paz social sem distribuição de renda.
A distribuição de renda deve ocorrer em vários níveis. Não apenas a partir da distribuição de Bolsa Família, mas também pelo destravamento do ambiente de negócios. Não existe melhor política social do que o emprego. Hoje há uma justificada preocupação com a implantação de políticas de auxílio emergencial. Mas ela deve ser acompanhada de medidas de redução da carga tributária tendo em vista o consumo, de desburocratização do investimento e de contratação de mão de obra.
O Brasil deve se transformar em um paraíso fiscal no sentido de que os impostos sejam fáceis de pagar e atraiam investimentos. Países que têm carga tributária baixa e são desburocratizados possuem elevadas taxas de emprego, prosperidade e melhor distribuição de renda. O caminho está claro. Burocracia, sistema tributário complexo e falta de competitividade geram desigualdade, desemprego e precária distribuição de renda. Por fim, o Brasil terá um árduo trabalho de se recolocar perante o mundo após a destruição de nosso soft power por causa de atitudes obscurantistas, negacionistas e ambientalmente inconsistentes, além de não sabermos comunicar o que fazemos de bom. Será um imenso desafio que exigirá perícia e competência de nossa sociedade e de nossos políticos.
Publicado em VEJA de 10 de novembro de 2021, edição nº 2763