Historicamente, o medo ajudou a humanidade a evitar predadores e outras ameaças, assegurando a sua sobrevivência. O sistema de luta ou fuga (fight or flight) é acionado por essa emoção, aumentando nossa vigilância, acelerando o coração e liberando adrenalina para que possamos reagir com prontidão. Nos dias de hoje, embora os perigos sejam de outra ordem — sociais, econômicos e psicológicos —, o medo continua a ser um fator crucial na adaptação e na sobrevivência da humanidade e, também, das instituições. Ele pode estimular comportamentos de autopreservação e prudência, prevenindo ações que nos colocariam em risco.
Quando a questão é contextualizada no ambiente institucional, o medo adquire um papel de prudência e contenção. Impõe limites a comportamentos e decisões que podem comprometer a estabilidade das instituições. Na política, o receio de crises institucionais, de perda de legitimidade ou de erosão de direitos leva os líderes a agir com cautela. Esse receio pode, por exemplo, forçar a negociação de coalizões, como ocorre no presidencialismo, no qual o temor da paralisia legislativa ou do impeachment incentiva os agentes políticos a buscar compromissos.
A contenção institucional também é refletida na estrutura de freios e contrapesos das democracias. A ideia de que o poder concentrado tende ao abuso fez com que constituintes e legisladores criassem mecanismos de controle, como o sistema de accountability e a separação dos poderes. Sem esses mecanismos, o exercício do poder ficaria vulnerável ao autoritarismo.
“O medo continua a ser um fator crucial na adaptação e na sobrevivência da humanidade”
A metáfora de um carro sem freios ilustra bem a dinâmica quando um governante perde o medo — ou, mais precisamente, a prudência necessária para respeitar os limites impostos pelas instituições. O carro pode até avançar com velocidade, mas, sem freios, o acidente é inevitável. Sem esses freios, o governante pode agir com rapidez e força, mas sem a devida avaliação das consequências. Tal imprudência leva ao caos, tal como um veículo que se desloca velozmente, porém, fora de controle, o que fatalmente resulta em desastre. O exemplo claro está perto de nós com a tragédia venezuelana. Sem limites institucionais, transformou-se em uma trágica ditadura populista.
Governantes que perdem o medo das consequências institucionais — seja pela sensação de invulnerabilidade, seja pelo apoio popular, seja pelo controle sobre os mecanismos de controle — tendem a adotar posturas autoritárias. Centralizam o poder, atropelam processos democráticos e ignoram os limites impostos por freios e contrapesos. Isso acelera a execução de suas agendas, mas compromete seriamente o equilíbrio institucional, podendo provocar rupturas no sistema democrático e colocar em risco a legitimidade do próprio Estado.
Não podemos esquecer que as pessoas passam e as instituições devem remanescer para a manutenção dos ganhos civilizatórios e pela busca de uma vida melhor para todos. Outro aspecto que devemos lembrar nos remete ao que disse o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, citando Machado de Assis: “A melhor forma de apreciar o chicote é ter-lhe o cabo nas mãos”. E o ministro acrescentou: “E o chicote muda de mãos”. Em um quadro de crise institucional, a lição vale para todos os poderes no Brasil de hoje.
Publicado em VEJA de 13 de setembro de 2024, edição nº 2910